Aos pais ele não responde
Se entoca num lugar
Que só ele sabe onde.
Numa rapidez incrível
Se transforma em invisível
No lugar onde se esconde.
Ademar Rafael Ferreira
Naquele
dia, ao acordar, o menino da canela fina, magro e comprido para os seus nove anos ganhou a rua, mas parou na calçada da sua casa. Achou tudo diferente.
Muita gente parada perto da igreja, na rua, no calçamento, onde à
noite ele e os amigos faziam de campo de futebol.
Preocupado,
andou até a casa do seu avô, entrou e ficou conversando com a sua avó. Não
lembra ter visto o vovô, que naqueles tempos andava trabalhando como fiscal temporário
do agronegócio do Banco do Brasil.
No
meio daquela conversa, a sua avó serviu o cuscuz, feito de milho com uma pitada
de goma de mandioca. Cuscuz ligadinho. Colocou um pouco de leite e ensopou com o
molho do bife de caçarola. Comeu com gosto e beliscou a xícara de café. Achou
forte e mesmo atolando o açúcar, o menino não bebeu. Se levantou quando a
empregada recolheu o prato e em seguida ouviu:
-
Venha meio-dia, que o seu avô vai trazer aquele doce de leite que você gosta.
-
Posso almoçar aqui?
-
Pode, avise a seu pai.
-
Tá certo, vovó.
-
Vou em casa pegar as minhas coisas para ir a aula de dona Maria do Carmo.
-
Acho que hoje não vai ter aula.
O
menino não entendeu esta última frase, deu a benção à avó e saiu correndo pela
casa até a calçada, nela parou de novo. A multidão tinha crescido. As
escadarias da igreja matriz estavam lotadas. Muita gente sentada à sombra.
O
menino andou mais um pouco. Viu que a praça também estava repleta de adultos.
Caminhando lento, ele foi ficando invisível diante daquelas pessoas. Com
cuidado, de menino que andava sobre muros, ele caminhou. Cinco passos, uma parada.
Avaliava o terreno e voltava a andar. Foi assim que chegou na frente do bangalô
branco, alpendrado do lado direito, com frisos dourado correndo toda a casa.
Na calçada olhou para cima, para o alpendre e viu os adultos, muitos da idade do seu pai ou do seu avô, sentados na varanda. Não conversavam. Estranhou, ele costumava ver esses homens falando livremente.
Tudo ao redor era
silêncio. Ele não lembrava direito, mas olhou para a parte de baixo da praça e
viu as portas dos comércios arriadas até a metade. Captou a anomalia, mas não
soube interpretar.
Ele
sentia que alguma coisa estava ocorrendo. Aproveitando que estava invisível para a
multidão, o menino de canelas magras esticou os braços e pegou no parapeito do
janelão, puxou o corpo e pisou na beirada pequena que tinha na metade da
parede. Apoiado precariamente, olhou para dentro do quarto e ficou vendo o que
se passava.
Viu
um homem deitado de pijama, uma mulher vestida de preto sentada ao lado dele. O
homem respirava com dificuldade, puxava muito ar. O menino via e não
compreendia. Quando o homem deu a última suspirada e se aquietou, a mulher se
levantou, cruzou as mãos dele e saiu do quarto.
Ainda
pendurado sobre o parapeito da janela, o menino ouviu um grito e da escada
desceu um homem correndo, muito emocionado.
Ainda invisível, o menino desceu da janela e foi procurar uma sombra. Lá ficou observando todo o movimento. Vários minutos depois, o homem que havia saído muito emocionado voltou, ainda muito nervoso e em seguida entraram outros homens com um ataúde.
Depois de um tempo, sentado entre os adultos, ele viu o avô chegar na calçada do bangalô. Ele atravessou a rua e encostou nele, recebeu um afago e ouviu:
Semana Iluminada
Marconi Urquiza












