sexta-feira, 9 de abril de 2021

Aventura na boleia da luz vermelha

                  Na boleia viajei,
                  de hora em hora olhei
                  quanto de chão faltava,
                  se pudesse caminharia,
                  Pois mais rápido
                  que o caminhão andaria.

Sinceramente não sei o que a fez surgir, vinda lá de dentro,  espantando a poeira e o esquecimento. 
    Estava na segunda-feira em um oficina de carros, me escorei numa caminhonete e fiquei olhando o mecânico trabalhar,  de repente veio tudo de uma vez.

    Pelos idos dos anos 1980, 1983 ou 1984 morava em Afogados da Ingazeira.  Ari Braz, colega de trabalho, depois meu compadre, estava com a esposa em Recife. A minha namorada,  Cida, morava lá também. 

    As minhas viagens semanais eram a bordo do busão da Progresso.  Saia às onze e vinte e cinco da noite e nos despejava em Recife depois da cinco horas da manhã.  Nessa cantilena apareceu uma novidade,  afora alguma carona ocasional.  Na véspera da viagem ou na sexta-feira cedo, Ari disse que havia conseguido uma carona. Quando falou o horário,  pulei como menino no riacho. 

     O caminhão sai duas e meia da tarde lá de perto do posto do filho de Dr. Hermes Canto.
     Certo.
     Quanto ele vai cobrar?
     Nada, a gente paga a janta dele.

    Para ser sincero, não lembro se ocorreu essa parada.  Lembro que senti uma sede danada. Na hora de entrar no caminhão, subi primeiro e fiquei pertinho do motor. Era aquele batido alto do motor diesel nos ouvidos e o calor derretendo meus pés, o que me acompanhou a viagem inteira.

    O motorista tocou a caminhão. Conversa vai, vem, e acabou assunto.  Uma viagem lenta, acho que a maior velocidade que o dono do velho Mercedes Benz colocou, não deve ter passado de 60 km/h.

    Na boquinha da noite ele mexeu na chave e ligou as laterais,  quando escureceu forte, outro toque na chave, o farol acendeu. Parecia dirigir de farol baixo o tempo todo. Às oito e meia da noite a viagem foi interrompida.  Seis horas depois de sairmos de Afogados a gente ainda estava perto de Belo Jardim.  Quase metade da viagem. Em um carro estaríamos chegando a Recife.  Faltava cerca de 200 km.

    O conserto na estrada limitava a passagem de uma faixa por vez. Não lembro se havia mais de um trecho no Pare e Siga. Já estávamos a dez minutos nesse processo,  de repente ocorreu um rebuliço.  Gente saindo do carro, indo para a pista,  para o acostamento.  Chegou alguém e disse alguma coisa ao nosso caroneiro, ele se irritou, passou a mão debaixo do assento e arrastou uma faca com jeito de espada.

    — Fiquem aí que eu vou pegar esse safado. Estão jogando pedras nos carros. 

    Acho que se formou uma força tarefa. Depois de um tempo voltou e disse:
     Fugiram. Na semana passada teve a mesma coisa.

    Ele se acomodou, tomou um gole gigante de água e ordenou:  
     É bom vocês mijarem. Só vou parar em Recife — descemos do caminhão.  

    Olhei para o carro. Levava carvão. Carga leve. Olhei de novo. Ela tinha uma altura de 3 a 4 metros acima da carroceria.  Era assim para não dar prejuízo e aproveitar a capacidade de transportar do caminhão.  No entanto, a sua altura transformou aquele trabalho em uma viagem de alto risco, facilmente o caminhão poderia tombar, qualquer erro em uma curva ele se arrastaria na rodovia.  

    Voltamos,  ele tocou a viagem,  quando passou por Belo Jardim  deu uma regulada na luz interna, que viajava acessa, então comentou:
     Tá muito forte  rodou um botão  e cabine ficou suavemente iluminada. Luz de boate.

    Duas e meia da manhã a gente chegou em Recife,  ele manobrou o caminhão e parou em um ponto de Táxi. Agradecemos a carona, o homem balançou a mão, ao descermos engatou a primeira e saiu naquela velocidade exasperante, ao fazer a curva para entrar na Ceasa, vi a sua silhueta iluminada pela lâmpada vermelha da boleia. 

    Valeu pela aventura,  mas 12 horas de viagem para 390 quilômetros de asfalto, foi demais.

    
    Semana Iluminada.
    Marconi Urquiza


sexta-feira, 2 de abril de 2021

LOUCO PARA ABRAÇAR




    Marano não gostava do seu nome, preferia o apelido Marinho. Quando alguém lembrava desse nome estrangeiro em tom jocoso, ele se irritava.
    Há muito que não viajava. Lhe deu vontade de pegar o carro e sair sem destino certo, com paradas aleatórias. Uma viagem longa.
    No mesmo impulso do pensamento, ligou para os filhos, avisou para onde iria. Andava sozinho há tempos. Arrumou a mala, a bolsa com as roupas que trocaria na estrada. Supriu a nécessaire com os remédios e com os itens de toalete.
    O seu carro estava quase sem uso, saía pouco nele, não era raro encontrar teias de aranha nos pneus. Fez uma revisão básica. O tempo corria para a Semana Santa. Faltando três dias para o Sábado de Aleluia pegou a estrada. Concentrado e descansado, conseguiu percorrer no primeiro dia 1.100 km, no segundo dia, o cansaço chegou mais cedo e perto das cinco horas da tarde encostou em um hotel com mais 900 km na bagagem.
    Faltava cerca de 500 km. Às quatro da manhã do terceiro dia caiu na estrada. Dirigiu rápido, às onze horas ele foi vendo a Serra Majestosa.
    Entrou na cidade, deu uma volta, reconheceu algumas casas e nenhuma das pessoas que transitavam na rua. "Onde estão meus conhecidos? Morrerão?" Talvez não reconhece mais nenhum depois de 30 anos.
    Sentiu sede, lembrou do Bar do Pereira, virou o carro e foi para a rodovia que ligava a sua cidade natal com a vizinha. Viu o bar, o velho nome permanecia, o local também, haviam repaginado o prédio.
    Entrou, passou por uma porta, ao sentar chegou o garçom, pediu uma cerveja e uma batata frita.
    Daquela mesa ele via a Serra Majestosa inteira. Estava verde. Havia chovido naquela semana.
    Marinho levantou o copo e começou a beber, nisso passou um homem, que olhou para trás e foi a quatro mesas de distância. Juntou mais três e sentou. De novo olhou para Marinho, que já era servido na segunda cerveja.
    Lá na mesa do outro homem chegaram mais três amigos, quase todos da mesma idade. De cabeça baixa o nosso visitante não viu a aproximação do seu vizinho de bar.
    Quando deu por si, o homem estava a um metro dele, o olhando fixamente:
    — Pois não?
    O homem não respondeu e continuou com aquele olhar de quem via um fantasma.
    — Diga! — A voz de Marinho saiu meio irritada.
    — Venha cá, Marinho! Dê um abraço. Ei, turma, Marinho voltou!!!

    Em algum lugar um poeta começava a declamar:
       Estamos louquinhos,
       Louquinhos para beijar.
       Nem fale,
       o quanto estamos
       louquinhos para congraçar.
       Estamos louquinhos pela vida,
       Nem diga,
       louquinhos para abraçar.


      Doidinho para abraçar. Feliz Páscoa.
     Marconi Urquiza


PS:
Era para ser apenas um exercício de escrita criativa, mas se transformou no desejo, o mesmo de Marinho de reencontrar pessoas queridas.

sexta-feira, 26 de março de 2021

IMAGINE QUE SAIU DO SUFOCO

https://autossustentavel.com/2019/05/qual-e-a-sua-utopia.html

    Inspirado no mote da canção Nordeste Independente, de Bráulio Tavares e Ivanildo Vila Nova:        

    Imagine o Brasil ser dividido
    e o Nordeste ficar independente.

    Pois bem,
 
    Imagine o Brasil tão diferente,
    amando mais que matando,
    vacinando toda a gente.

    Claro que isso é uma utopia. Uma utopia feroz que nos persegue desde que uma eleição foi ganha por quem "não deveria ganhar" e onde não houve um desastre.

    Imagine um país diferente. Onde se olha a pessoa e não seu "DNA social", que a olha como um ser e não como um condenado congênito. Utopia. Pense! Pensei nessa enorme besteira.

    Imagine uma gente diferente, livre no pensamento, olhando o mundo como ele de fato é: olhando as pessoas como elas são, não na utopia que "eu me assemelho a Deus. Que sou um bendito congênito". Utopia.

    Agora idealize um país amoroso, alegre, gentil. Mas esse país não existe. O real é outro. 

    Imagine o Brasil tão diferente
    educando para
     amar a sua gente

    Imagine que ele cultiva o altruísmo, Altruísmo. O ísmo positivo se aprende e se exercita superando o ísmo negativo, incutido por uma cultura do "eu" em detrimento do "nós". Real.

    Mesmo assim, imagine. Não idealize, deseje, aja, seja realista, a mudança será lenta e longa. Precisamos de vários líderes realisticamente altruístas. Vários, é possível. No poder: raro. Milhares com poder atuando: Utopia.

    Mesmo assim:    

    Eu IMAGINO o Brasil bem diferente
    Salvando mais que matando
    Amando a sua gente.

    Pois bem, "Das Utopias":                                                                      

    Se as coisas são inatingíveis... ora!
    Não é motivo para não querê-las...
    Que tristes os caminhos, se não fora
    A presença distante das estrelas!

     Mario Quintana , Espelho Mágico. Porto Alegre: Editora Globo.1951.

    Semana Iluminada
    Marconi Urquiza
    
    

    Estas foram as últimas crônicas para você. Leu?

   Nesta você escolhe o título. A mensagem de coragem e de espírito de luta é a mesma:

    SE A VIDA NÃO FICA MAIS FÁCIL ,      TRATE DE FICAR MAIS FORTE

    

    Mais a crônica mais lida em março 2021, se não sentiu a sua mensagem.

    PARECE QUE FALTA UM PEDAÇO DE MIM    


    

sexta-feira, 19 de março de 2021

SE A VIDA NÃO FICA MAIS FÁCIL ...


Um conto dentro da crônica

 Um rasgo de esperança, um tantinho de fé 
e a teimosia para seguir na caminhada

         Era de madrugada quando Casarin printou uma postagem do Facebook. Cinco minutos depois aquele homem de meia-idade repassou para um amigo, o outro leu e apagou. Um terceiro amigo viu a postagem e jogou na lixeira do celular: "Casarin, esse Casarin devia era dormir!"

        Só que a insônia de Casarin tinha o mesmo DNA da de Getúlio: a tensão pela espera da vacina. Seis horas da manhã, com uma xícara de café na mão, Getúlio via a rua pela janela da sala. A rua embaçada pelos vapores do café fumegante, também refletia a mente em turbilhão daquele homem.

        Aquele que apagou primeiro a postagem de Casarin, mais seguro de si voltou a dormir. Acordou sem cansaço. Seria um super-homem no meio daquela toda agonia real e ampliada pela divulgação maciça do caos provocado pela pandemia?

        O dia avançou para os três, na dia seguinte começaria o final de semana. Sexta-feira à noite era o dia em que os três amigos se encontravam, não se encontram mais. Passou de um ano sem que os olhos inquietos de Casarin não se encontravam com os olhos zombeteiros do segundo amigo e os olhos inquisitivos de Getúlio.

        No sábado pela manhã Getúlio ligou, havia meses que mal passava uma mensagem genuína dele pelo Whatsapp, só era repasse, às vezes em tom agressivo. Geralmente quando era criticado, respondia acidamente. 

        Mas ligou:

       - Casarin, você ainda tem aquela postagem. Aquela do homem falando que deveria ser uma fortaleza?
       - Getúlio... - Casarin, sem querer perguntar, se pôs a pensar - Pode explicar melhor?
       - Mas, homem! Você passou antes de ontem e já tá esquecido!
         - Pior que estou. Ando com um esfregão na cabeça para não endoidar.
       - Tá, então deixa - nisso Casarin corria as telas do celular, havia transferido a ligação para o viva-voz.
        - Pera aí. Tu visse aquela merda do jogo de ontem? - disse Casarin.
      - Nem vi, o time tá tão ruim que eu desisti de ver os jogos.
        - Viu algum filme bom? - Continuou Casarin, cultivando a paciência do seu amigo.
      - Vi uma série. Signal, é boa e é meio viajada. Japonesa, Looke...
        - Getúlio, achei.
      - Fala aí para mim.
      - Se a vida não fica mais fácil... 
      - Sei o que você achar importante ela, senão não teria printado e me enviado. Mas pensasse nela direito?
      - Tenho pensado muito. Ela é um filão de força que tenho me apegado para ir nadando nessa tragédia em que estamos vivendo. Não é por ficar em casa, de não poder conversar, mas é pelo medo. Sabe, o medo. A porra do medo que adoece. 
      - Lê de novo... - Casarin leu. Getúlio se calou. Os dois pareciam ter um zumbido rolando nas suas cabeças.
        
       Nenhum falava nada e nem queriam desligar. O silêncio era tudo que tinham e desejavam do outro. Casarin pensou em soltar uma piada, Getúlio em dizer uma pilhéria. Alguém ouvia o fluxo de vento do ventilador amenizando o calor.

         - Pode ler de novo - pediu Getúlio.
        
       Casarin leu e disse:
       - Getúlio, a pessoa que aparece no print é um lutador pela vida. Só tem duas coisas normais nele: a cabeça e um dedo, com o qual comanda a cadeira de rodas. Já passou dos quarenta e continua firme. Isso deu o maior significado.
         - Sabe, é que me lembrei de uma psicóloga. Um dia eu reclamava da vida e falava da morte, ela me interrompeu e disse forte: "Mas até lá você tem que viver". Entendesse? Entendesse? - disse Getúlio.
      - Entendi - "mais ou menos", pensou Casarin. 
       - Pois é, amigo. A gente até lá, tem que viver o melhor possível e o que a gente pensa faz da vida pior ou melhor. É isso que anda me embatucando, entendeu?
      - Entendi - agora a voz de Casarin saiu enfática - Entendi, amigo. 
         - Repete a frase...
      - "Se a vida não fica mais fácil, trate de ficar mais forte!" Quer ouvir um poema?
        - Quero.

      -   "Trate de ficar mais forte"
            Quando a cruz lhe pesar
            Dificuldade da vida?
            Deus lhe ajuda a superar.
            Faça da cadeira "pernas"
            Mas não deixe de andar.
                    (Ademar Rafael Ferreira)
        


    Semana Iluminada.
    Marconi Urquiza


Autor da frase que inspirou esta crônica




"TRATE DE FICAR MAIS FORTE"


ILUSTRAÇÃO DE LINOCO


Um rasgo de esperança, um tantinho de fé 
e a teimosia para seguir na caminhada

         Era de madrugada quando Casarin printou uma postagem do Facebook. Cinco minutos depois aquele homem de meia-idade repassou para um amigo, o outro leu e apagou. Um terceiro amigo viu a postagem e jogou na lixeira do celular: "Casarin, esse Casarin devia era dormir!"

        Só que a insônia de Casarin tinha o mesmo DNA da de Getúlio: a tensão pela espera da vacina. Seis horas da manhã, com uma xícara de café na mão, Getúlio via a rua pela janela da sala. A rua embaçada pelos vapores do café fumegante, também refletia a mente em turbilhão daquele homem.

        Aquele que apagou primeiro a postagem de Casarin, mais seguro de si voltou a dormir. Acordou sem cansaço. Seria um super-homem no meio daquela toda agonia real e ampliada pela divulgação maciça do caos provocado pela pandemia?

        O dia avançou para os três, na dia seguinte começaria o final de semana. Sexta-feira à noite era o dia em que os três amigos se encontravam, não se encontram mais. Passou de um ano sem que os olhos inquietos de Casarin não se encontravam com os olhos zombeteiros do segundo amigo e os olhos inquisitivos de Getúlio.

        No sábado pela manhã Getúlio ligou, havia meses que mal passava uma mensagem genuína dele pelo Whatsapp, só era repasse, às vezes em tom agressivo. Geralmente quando era criticado, respondia acidamente. 

        Mas ligou:

       - Casarin, você ainda tem aquela postagem. Aquela do homem falando que deveria ser uma fortaleza?
       - Getúlio... - Casarin, sem querer perguntar, se pôs a pensar - Pode explicar melhor?
       - Mas, homem! Você passou antes de ontem e já tá esquecido!
         - Pior que estou. Ando com um esfregão na cabeça para não endoidar.
       - Tá, então deixa - nisso Casarin corria as telas do celular, havia transferido a ligação para o viva-voz.
        - Pera aí. Tu visse aquela merda do jogo de ontem? - disse Casarin.
      - Nem vi, o time tá tão ruim que eu desisti de ver os jogos.
        - Viu algum filme bom? - Continuou Casarin, cultivando a paciência do seu amigo.
      - Vi uma série. Signal, é boa e é meio viajada. Japonesa, Looke...
        - Getúlio, achei.
      - Fala aí para mim.
      - ... Trate de ficar forte.
      - Sei o que você achar importante ela, senão não teria printado e me enviado. Mas pensasse nela direito?
      - Tenho pensado muito. Ela é um filão de força que tenho me apegado para ir nadando nessa tragédia em que estamos vivendo. Não é por ficar em casa, de não poder conversar, mas é pelo medo. Sabe, o medo. A porra do medo que adoece. 
      - Lê de novo... - Casarin leu. Getúlio se calou. Os dois pareciam ter um zumbido rolando nas suas cabeças.
        
       Nenhum falava nada e nem queriam desligar. O silêncio era tudo que tinham e desejavam do outro. Casarin pensou em soltar uma piada, Getúlio em dizer uma pilhéria. Alguém ouvia o fluxo de vento do ventilador amenizando o calor.

         - Pode ler de novo - pediu Getúlio.
        
       Casarin leu e disse:
       - Getúlio, a pessoa que aparece no print é um lutador pela vida. Só tem duas coisas normais nele: a cabeça e um dedo, com o qual comanda a cadeira de rodas. Já passou dos quarenta e continua firme. Isso deu o maior significado.
         - Sabe, é que me lembrei de uma psicóloga. Um dia eu reclamava da vida e falava da morte, ela me interrompeu e disse forte: "Mas até lá você tem que viver". Entendesse? Entendesse? - disse Getúlio.
      - Entendi - "mais ou menos", pensou Casarin. 
       - Pois é, amigo. A gente até lá tem que viver o melhor possível e o que a gente pensa faz da vida pior ou melhor. É isso que anda me embatucando, entendeu?
      - Entendi - agora a voz de Casarin saiu enfática - Entendi, amigo. 
         - Repete a frase...
      - "Se a vida não fica mais fácil, trate de ficar mais forte!" Quer ouvir um poema?
        - Quero.

      -   "Trate de ficar mais forte"
            Quando a cruz lhe pesar
            Dificuldade da vida?
            Deus lhe ajuda a superar.
            Faça da cadeira "pernas"
            Mas não deixe de andar.
                    (Ademar Rafael Ferreira)
                


    Semana Iluminada.
    Marconi Urquiza


sexta-feira, 12 de março de 2021

"PARECE QUE FALTA UM PEDAÇO DE MIM"

Marne Urquiza

    
Em um ano tão difícil quanto o atual, alguém enfrentou a sua luta.
    Como fugitivo, o rapaz magro, meio cabeludo, de barba por fazer, com um filho a caminho andava nervoso. Tão prudente, tão comedido, chegou em casa e disse:

    − Hoje eu vou, hoje eu vou...
    − Para onde? 
− A esposa olhou para ele sem entender aquela agonia.
    − Eu vou... − era tudo que ele conseguia dizer.

    Saiu dali e se sentou na frente da casa. O seu rosto estava lívido, na noite anterior havia escutado uma canção na novela Roque Santeiro. Na sua mente ela tocava sem parar, em repetição sem trégua a música recomeçava na primeira estrofe, mas ele às vezes balbuciava outra:

    É duro ficar sem você
    Vez em quando
    Parece que falta um pedaço de mim
    Me alegro na hora de regressar
    Parece que vou mergulhar
    Na felicidade sem fim

    Naquele dia não viajou e o rapaz foi ficando. Ficou. 

    Um dia de agosto ele fez as contas, três anos, três anos e oito meses sem ir na sua terra. Desde 15 de novembro de 1982 não passava nem perto. Na mesma semana ele disse a esposa:

    − Sexta nós vamos a Bom Conselho.
    − E aquele povo por lá?
      − Nós chegamos sexta-feira de noite e saímos no domingo de madrugada.

    Assim ocorreu, chegou cedo em Garanhuns e esperou que a noite crescesse, lá pelas nove horas da noite entrou no carro e foi conduzindo devagar. 60 km/h. Quase uma hora de viagem. Já perto da fazenda de Catarina, as luzes da igrejinha apareceram, as da encosta da Serra de Santa Terezinha também. Centenas de casas humildades subindo a ladeira.
    Uns dez minutos depois passou pelo posto de Bernardo, na praça Frei Caetano a imponente igreja matriz surgiu no horizonte.
    "Cheguei", chegou, seu coração saltitava. A estrofe da música não era ouvida, mas muito sentida. "É duro ficar sem você", a frase chicoteava seu coração, que para não chorar preferiu se manter calado. Naquele início de noite se lembrou da madrugada de mais de três anos antes, quando entrou dirigindo um carro cheio de policiais mortos de cansados e ele encharcado de adrenalina se mantinha acesso. Recordou ter passado o dia acordado, de que deitou-se no início da madrugada e teve a sua noite mais longa na vida. 36 horas sem dormir.
    A viagem prosseguiu, passou pela ponte do colégio, subiu pela rua Sete de Setembro, quando viu a Praça Pedro II, olhou para o imenso espaço, quase sem ninguém, naquela noite fria de agosto. Virou na esquina, para a esquerda e deixou o carro descer a ladeira. Cinco minutos depois entrou na casa do sogro, de onde só saiu no domingo às cinco horas da manhã. Passou pela frente do cemitério, sem disposição de ir olhar o túmulo do pai.

    Na manhã do sábado não saiu do quarto, não era para ninguém vê-lo. A casa era muito movimentada nesse dia. Ele não cabia dentro da saudade. Não cabia dentro do seu silêncio. O tempo passou, muitas outras vezes voltou ali, centenas. A cada ida o tempo ia esgaçando a sua saudade e os seus sentimentos não eram mais de dor, apenas a alegria de rever pessoas queridas.

    Mas trinta anos depois, estava em um bar jogando conversa fora e tomando umas cervejas. O magro, que já era obeso, ouviu a música inteira sem o bloqueio da saudade e das lembranças dolorosas. Apenas ouviu, depois se voltou para um amigo e disse:

    − Eu pensei que essa música dissesse outra coisa, passei tantos anos a interpretando de outra forma.
    − Como, não entendi?
    − Você ouviu a música?
    − A de Elba?
    − É.
    − O que tem ela?
    − É que ela faz eu lembrar de papai. Pois quando eu ouvi pela primeira vez fiquei com a impressão de que ele falava da saudade de quem morreu...
    − É. Só entendi da saudade do seu pai.

    Então o ex-magro balbuciou:

    É duro ficar sem você
    Vez em quando
    Parece que falta um pedaço de mim
    Me alegro na hora de regressar
    Parece que vou mergulhar
    Na felicidade sem fim.


    Foi cantando e sentido a voz engasgar. O amigo colocou a mão sobre o seu braço  e disse:
    
− Agora eu entendi.


    Bem, essa é uma parte da minha própria história.

    Semana Iluminada.
    Marconi Urquiza

O LINK da canção:

De volta para o aconchego (Dominguinhos e Nando Cordel)

         Para melhor compreensão da narrativa








sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

2021 - A VERDADE EXISTE?


                                    Disponível em: https://www.justificando.com/2018/11/30/a-era-da-pos-verdade-e-seu-antidoto/

    Não sei se ocorreu com você, se ocorreu saber de um fato e ficar doidinho para conversar com um amigo, com uma amiga, com uma pessoa que vai compreender o que você pensa. Compreender, que não significa concordar.

    Nesta semana li uma frase que me deixou doidinho, como eu queria conversar com dois ou três amigos sobre aquela frase, como eu queria ouvir deles os seus pontos de vista! Mas é impossível, devo me contentar apenas em expressar o meu pensamento, a minha visão e não a minha verdade.

    Uma vez, em uma conversa com um amigo, nela a gente discutia sobre a frase: "Verdade dos fatos". Ele sabiamente me retrucou ao dizer que não existia verdade, apenas fatos. Não aceitei, fiz uma série de argumentos e em certo momento entrou outro assunto e a verdade ou a verdade dos fatos saiu da moda.

    Com o passar dos anos, com a maturidade engrossando a pele, e fatos e mais fatos se sucedendo, a "verdade" virou apenas um vocábulo. "Verdade" passou a ser o que se comunica. Se não há contestação, ou quem ler, ou ouvir, ou ver e não duvida, temos aí uma "verdade".

    Muitos meses atrás, estava me preparando para escrever um romance e comecei ler livros, artigos, tudo que me ajudasse a construir o enredo. Até comprei alguns livros. o primeiro  a ler foi: Sobre a Verdade, de George Orwell. É composto por vários artigos em que ele critica a imprensa, os governos da Inglaterra, critica as meias verdades, as verdades distorcidas. A omissão de quem poderia comunicar, o que fato seria o fato, não o fato comunicado.

    A parte visível daquele iceberg na trama serão as Fake News. O desejo é desenvolver a narrativa indo para as motivações de quem divulga, de quem estimula, cria, de quem, sem meter a mão, lidera as Fake News. Tudo isto se confrontando com os efeitos, reais, "não verdadeiros", nas vidas dos atingidos.

    Bem, aquela frase que citei no início desta crônica é essa: "A verdade nunca escapa... Se ela não aparece no que é dito, ela transborda no que é feito" (Gilberto Nunes - Psicanalista).  Foi essa frase que transformou a minha semana, o meu pensar, as minhas reflexões. 

    No Brasil, a maior criadora de "verdades" de todos os tempos foi a operação Lava Jato. A imprensa foi o grande instrumento utilizado para propagar essas "verdades". O instrumento da "verdade", melhor, a ferramenta "verdade". Ferramenta. Ferramenta da indução de nossas percepções.

    Pois bem, é a ferramenta por excelência da comunicação. Mera ferramenta de convencimento, que vem desde  a criação da propaganda política, nos trazendo a "verdade verdadeira". Com nome e sobrenome. Os fatos são outros quinhentos.

    Lembrando da frase e pensado em uma realidade brasileira, cheguei à conclusão que as palavras da Lava Jato transbordaram. A "verdade", aqueles fatos reais vieram em borbotões e muitos de nós, muitos negamos o que lemos, o que foi divulgado. Onde estarão os fatos? São reais? Isto é, são de "verdade?" 

    A verdade existe?

    Aí veio a pandemia da COVID. Mas que "merda!" "Ninguém foi enganado, você ouviu tudo isso antes". É o novo mantra, a nova "verdade". Ninguém foi enganado, se votou por que se quis. Foi auto engano? Ou a demonização de um grupo e de seus adeptos que nos convenceu? 

    As palavras transbordaram e negar sempre é mais fácil que aceitar o real, das palavras que viraram uma enxurrada que estão mostrando o caos no Brasil.

    Se eu pudesse viralizar a frase que me motivou a escrever esta reflexão, a repetiria com frequência. Repetiria antes, bem antes de cada eleição, insistiria, insistiria desejando motivar as pessoas a refletirem antes que as nossas armadilhas naturais sejam ativadas por argumentos manipuladores, fazendo com que certas crenças se transformem em votos.

    Por fim repito a frase atribuída ao senador americano Hiram Johnson: "Em um estado de guerra, a primeira vítima é a verdade". 

    A crítica, a reflexão, agora é com cada um.    


    Semana Iluminada,
    Marconi Urquiza

O poder revela ou transforma uma pessoa?

  imagem: Orlando/UOL.            Um papo na última segunda-feira entre aposentados do Banco do Brasil que tiveram poder concedido pela empr...