sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Elixir do Longo Prazer

 





         Me tornei um fã tardio da escritora Clarice Lispector. Outro dia escrevi, que ao ler parte dos seus contos foi libertador. Ela escreveu sobre si mesma, sem transparecer qualquer dúvida e com uma beleza capaz de tornar aqueles minutos sublimes. À partir daí comecei a escrever sobre a minha história. 

        Nesta semana, nem pedi licença a ela, me socorri de uma de suas crônicas, onde falou de sua infância. Até recordei, que em algum momento da minha, chega aos vinte anos, era como uma eternidade, o que dirá aos 61 anos, saindo do dez, Quando corria descalço no calçamento da Rua João Alfredo. Lendo os gibis de Tio Patinhas, Mickey, Pateta ou admirando as fotografias lindas da Revista Manchete.

       Então Clarice disse: 

- Medo da eternidade -

       Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade. (Fenomenal)
       Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.
      Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:

      - Como não acaba? 
      - Parei um instante na rua, perplexa
      - Não acaba nunca, e pronto
      - Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas.               
      Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual já começara a me dar conta.

      - Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.
      - E agora que é que eu faço? - Perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver.
      - Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.
      - Perder a eternidade? Nunca.
     O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.
     - Acabou-se o docinho. E agora?
     - Agora mastigue para sempre.
     Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou de infinito.
     Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.
     Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.
     - Olha só o que me aconteceu! - Disse eu em fingidos espanto e tristeza. - Agora não posso mastigar mais!
     A bala acabou!
    - Já lhe disse - repetiu minha irmã - que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.
      Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra na boca por acaso.

Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.


Abraço, Marconi Urquiza

sexta-feira, 30 de julho de 2021

No trabalho, de novo



            Saber o que vai fazer, preencher o tempo, fugir da depressão, ser e se sentir útil no pós-aposentadoria é um desafio diário. Isto é, quando possível.

            Sendo possível. O aposentado, como regra geral, vai tentar se ocupar de muitas maneiras. Por experiência pessoal, com pedaços de atividades, trabalhos entrecortados e quase sempre de curto prazo. Coisa de dias. É um picadinho medonho a cada dia. Diria, que este aspecto é o normal.

            Os laços corporativos ou profissionais, regras, rotinas, amigos, colegas se esgarçam, tanto que às vezes estranhamos, em muitos momentos, ao se ver um antigo colega. Parece que uma ponte se rompeu em um rio largo, onde só vozes lançadas pelo vento chegam e ainda assim, fracas. Esse também é um quadro geral.

            No meu caso, a aposentadoria foi um duplo choque. Primeiro, por ter projetado uma saída em certo período e as circunstâncias me empurraram para fora do trabalho, rompendo esse planejamento. Depois, porque o que desejava fazer foi interrompido ao concluir o mestrado, dois anos antes.

            Achei, após muitos meses de aposentado, uma salvaguarda na escrita e que me ajudou a ir atravessando os dias, me tornando, de certo modo, um pequeno especialista na escrita criativa. Esse negócio de criar histórias me enche de satisfação.

            Aí, neste último mês comecei a atender, no home office, os clientes da Safe Clean João Pessoa. Tendo o Whatsapp como a forma prioritária de comunicação. Raras são as ligações.

            Como tudo, é um aprendizado. Descobrir como “falar” no zap. Aos poucos vi que usar emoji não é comum. Retirei. A fala dos clientes é pura objetividade, nos cabe mudar o enfoque, tirando do preço e tentando levar para o valor (qualidade) do serviço. Ainda não sei como fazer, estou tentando.

            Certos aspectos da comunicação oral, valem, mas não excessivo. Pedir desculpa e agradecer é essencial. De certo modo, ser veloz na resposta é fundamental. Entender o momento do cliente, tem que ser coisa de um ou dois minutos. Também estou aprendendo. Tem muita gente boa nisso, por causa deles comecei a praticar o Follow Up. Em resumo, é não desistir. Se não der naquele momento, voltar a falar com o freguês. Aliás, veja a pessoa sempre como freguês.

            É uma venda de varejo e a atividade, serviço. O essencial e ter atendimento na ponta de excepcional qualidade. Serviço primoroso. A gestão das expectativas é mais que exigida. Muitos fregueses contratam o serviço porque querem tirar manchas, mais que a limpeza.  Tem mancha que não sai. Nem com o melhor produto, técnica, tecnologia e o melhor profissional. Este é um dos aspectos dos mais difíceis, comunicar o que o cliente deseja e o que o serviço pode oferecer.

            Não sei dizer se isso é vantagem ou não. Passei a vida inteira, desde a infância, trabalhando no varejo e vendas de baixo valor, considerando o segmentos nos quais atuei. Primeiro foi na farmácia de papai, depois nas agências de varejo do Banco do Brasil.

            Uma mentalidade eu levei para essa vida de bancário. Naquele tempo da farmácia, cachete era sinônimo de comprimido. Muitas vezes o freguês só queria um Sonrisal (antiácido). Só um. Era o varejinho diário. Na nova atividade, da pós-aposentadoria, eu ajo com a mesma mentalidade. Cada negócio, cada cliente, cada consulta, não tem rosto, condição social. A fala, raríssimo, apenas o digital. Atendo como se fosse único, como a maior venda do planeta, sempre pensando que as pessoas são diferentes. Esta é uma vivência antiga que aplico no novo, adaptando ao meio e à oportunidade. Independe de tecnologia. É experiência e feeling.

            O pior nessa atividade, é que não existe venda recorrente, repetida em curso prazo. Se ocorrer, é de no mínimo 12 meses. É pedindo ao cliente que nos indique, pedindo que nos avalie no Google e nos esmerando em ser o melhor a cada atendimento. Nos comunicando incessantemente nas redes sociais. 

            É preciso, em serviço, ser obsessivo com a qualidade. Para tudo que for relacionado.

            Só o bom nome faz esse negócio prosperar. 

            Pois bem,  estou me sentindo como o personagem de Robert De Niro, em ambiente que não é propriamente estranho, e é a mesmo tempo é tudo novo. 

           A linguagem digital,  as imagens que devem ser trocadas a cada postagem,  as avaliações renovadas como em um Uber, aí,  de vez em quando alguém liga e que ouvir a voz, nisso vem a velha tecnologia da conversa que inspira confiança. 

          Bem, eu sou o novo Senhor Estagiário e estou me descobrindo.

Abração, 

Marconi Urquiza 


sexta-feira, 23 de julho de 2021

É vida explodindo como por milagre

 


    Depois da primeira
    chuva
    Na terra dos Tabajaras
    Muda cor da
    vestimenta
    No sertão das
    espinharas
    Sai o cinza das 
    rolinhas
    Entra o verde das
    araras.
               Ademar Rafael Ferreira

     Kleber Mendonça Filho escreveu no Instagram: "Acordei de um sonho no sertão, a natureza explodindo fora de controle depois de chover. Acho que lembrança de filmar BACURAU. Achei bonito."

     Essa é a legenda de uma postagem de vídeo.

     Vivi no sertão de Pernambuco. A caatinga tem essa força. Parece tudo sem vida, ao receber a chuva tudo se transforma em pouco tempo. É vida explodindo como por milagre.

     Aí não me segurei, escrevi alguns comentários e deles está crônica.

     Olha essa imagem. 

     Saí de Recife para Bom Conselho e ao passar por São Caitano, olhei para o lado e a vista se perdeu na imensidão do cinza. (Tudo seco).

     Corria com o carro na direção de Cachoeirinha. O cinza se estendia em tudo. Aqueles açudes da beira da rodovia nem tinham mais lembrança de uma lama ressequida. Inerte. Apenas o vento, quando queria ser caridoso, soprava e dizia: Levanta; mas sem força a poeira saia cambaleando pelo solo seco.

     Três meses depois voltei para o mesmo destino. Ao longe a Pedra do Cachorro (em São Caitano) apontava o seu verdor. Subo o viaduto da BR 232 e entro na BR 423. O verde mostrava a sua força e os açudes agora eram espelhos onde as nuvens se penteavam, belas, prontas para animar a cantoria nas lagoas.

     Naquela viagem o tempo verde dura mais uma hora e meia e, vou encostando em Bom Conselho, olho para frente e vejo a natureza mais forte subindo as serras ao redor da cidade, que escurecia naquele final de tarde. 

     Entro por ruas calçadas com pedra, da praça Frei Caetano de Messina a imponente igreja matriz aponta a direção. Ali, no alto, deixo o carro escorregar lento pela ladeira do Colégio das Freiras, o vento suave cortando as folhas das árvores.

     Não precisava, nem sei explicar, mas abri a janela do carro e o friozinho da minha infância veio me abraçar.


Abração, 

Marconi Urquiza.

sexta-feira, 16 de julho de 2021

Festa do Tchac-Tchac




 A cidade estava elétrica aguardando o domingo seguinte. Muitas pessoas suavam as mãos na expectativa.

            Na farmácia de papai, vez por outra, amigos se encontravam e a pergunta era uma só:

            — Você vai?

            — Vou! Já consegui uma carona.

            E os comboios foram se formando. A coisa fluindo. A comunidade se apoiando, se unindo, se ajudando. Sem mesquinharia.

            Meu pai tinha dois carros. Um Corcel I e uma Rural. Ele dirigiu o Corcel e eu conduzi a Rural. Devia ter um ano que era motorista, ainda de menor.

            Dirigir menor idade era muito comum e a situação justificou a liberação para eu ir a outra cidade.

            Vários carros de papai foram batizados. Ele tinha essa mania. Antes teve a Belina Marta Rocha, o jipe Osaka. O Corcel era o Cavalo Branco. A Rural, mudou de nome, virou Sofrida. Quando queria alguma coisa dizia: Vai na Sofrida. Apelido curioso. Quando a comprou, o carro estava muito maltratado. O dono anterior, estragou tanto, que antes de utiliza-la passou por uma reforma inteirinha.

            Daqui para frente é quase tudo imaginação. Alguns fragmentos espaçados juntei para contar essa história.

            Imagino que ocorreu em um domingo.

            Imagino que a fila dos carros começou a se formar nas Cinquenta Casas, bairro de Bom Conselho, em Pernambuco. O asfalto era um sonho, apenas isso e a saída da cidade era por ali.

            Sete horas a fila já era imensa. O carro do prefeito na frente. Muitos chegaram a pé e conseguiram a sua carona naquela fila.

            Curioso, espichei o pescoço pela janela do motorista e olhei para trás. A vista se perdeu na fila dos carros, quando ela fez a curva para a rua Vital de Negreiros. Me arrisco a dizer que já estava perto da prefeitura.

            Sete e pouquinho veio o primeiro aviso. O horário de Bom Conselho era de dez horas. O destino ficava a 43 quilômetros dali. Em um Parque de Exposição de Animais.

            Sete e meia. Hora de sair. A fila começou a correr devagar. O enorme comboio não passava de 60 km/h.

            Nessa altura a imagem sumiu e só fui acha-la faltando 9 quilômetros para a nossa redenção.

            Passamos por Brejão naquela pisadinha de andar em fila. Após essa cidade, fomos subindo. Subindo e descendo sem muito perigo. Depois desse trecho pegamos uma espécie de planalto. Já perto da entrada para Correntes, se iniciou uma suave, mas longa descida. Alguns quilômetros.

            Nessa parte da estrada se via alguns carros à nossa frente. Nada muito expressivo aos olhos.

            Quando a gente foi se aproximando, de onde é hoje a Churrascaria da Paz, é que tive a primeira visão que me deslumbrou. Fizemos a curva à esquerda e olhei para frente. A fila de carros se perdia quinhentos metros depois, entrando em uma curva à direita.

            Tocando o carro devagar nesse ponto, chegamos na mesma curva, que era mais alta que o resto daquele trecho na estrada. De novo vi os carros fazendo outra curva, agora, uma bem aberta à esquerda, como um arco gigante. Outra imagem que deslumbrou.

            Em uma velocidade baixa os carros seguiam para o destino, mas o fim da fila não vi, estiquei o olho para o retrovisor e a cobrinha da esperança também se perdia de vista.

            Um pouco depois a gente entrava em um imenso trevo arredondado. Viramos à esquerda. Mais alguns minutos paramos. A fila agora era de gente. Milhares esperançosos.

            Entramos no parque e já a alguns metros começamos a ouvir um som de thac-tchac. Debaixo de um galpão, dezenas de pessoas armadas com pistolas, disparavam esperança e saúde nos braços das pessoas.

            Saímos dali para a Festa da Vida, vacinados contra a meningite.

            1975.


            Marconi Urquiza (16 anos).

sexta-feira, 9 de julho de 2021

Um amor que transborda


     
Sobre 
relacionamentos
Eu acho, ninguém
discorda:
havendo união 
pacífica 
o amor sempre
transborda 
havendo separação,
a saudade pinta 
e borda.
                Ademar Ferreira Rafael

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Tudo tão diferente,
Tudo tão igual.

 

            Por seguir uma colega, eu venho involuntariamente acompanhando pequenos pedaços de sua vida, aquilo que coloca no Instagram.

            A primeira postagem foi a dor, imensa, intensa, da perda física do amado marido. Súbita, sem preparo para amadurecer o espírito para o inevitável. Um choque que maltrata.

            Meses depois veio o aniversário dele, o natal, alguma viagem marcante. Mais saudades, mais amor.

            Há alguns meses, um amigo do esposo partiu, um amigo do casal. Mais dor, mais saudade, mais tristeza. O amor se manifestou com todo o seu esplendor.

            Na última semana ele faria 60 anos. Vi no Instagram a fotografia da família. O casal, as duas filhas, sorrisos abertos, felizes.

            Mais saudade, mais amor.

            Dois anos, o luto sendo elaborado. O Instagram ajudando na solidariedade para aquela mulher, ainda cheia de dor.

            Na madrugada acordei, coloquei meu coração em cada uma das postagens, nada escrevi. Parei no muro da minha dificuldade em me mostrar solidário no mundo virtual, além do coração vermelho.

            Talvez seja, não sei, talvez seja porque uma dor dessas atravessa a distância, a tela, o dedo que aperta o celular e me faz sentir parte daquele luto.

            Fiquei imaginando uma carta. Como das antigas. Demorando para chegar, cheia de selos. Com as letras titubeantes e os sentimentos esparramados nas palavras, cheias de vírgulas e de reticências. Onde o que se vê é o coração minguando ao colocar nos Correios.

            Pensei em uma carta dessas. Condoída e também repleta de força, cheia de amor, dizendo. Dizendo:

            “Que o bom Deus ilumine o seu amado, que nossa senhora lhe dê forças agora e sempre.”

            “Que os amigos consolem você e as suas filhas para que atravessem essa estrada difícil.”

            “Olhe, eu estou longe, você sabe, mas conte sempre comigo”.

            No verso da carta, em letras miúdas, querendo se esconder, estaria escrito assim:

        Da saudade, 
        sfaz a dor.
        Da dor,
        se faz a saudade.
        Do amor se 
        faz a lembrança,
        Da lembrança
        transborda o amor.

               Era isso que escreveria, mas não escrevi.


Abraço,
Marconi Urquiza

sexta-feira, 2 de julho de 2021

Baile de São João


Começou dias antes, a paquera rolava solta. Os sorrisos doces, discretamente convidativos entusiasmavam o rapaz, que deixou a adolescência e a magreza para trás. Andava ficando bonito. O que não tinha curado era a timidez.

           Na véspera, perfumado, encontrou a paquera, ficaram proseando na praça. Os amigos e as amigas perceberam o clima e se afastaram. Sorrisos dali, sorrisos de cá, olhos brilhando, só faltava o tímido dizer: vamos namorar.

            A menina festeira havia se encantado pelo rapaz. Para ele era uma tortura saber que ela gostava de dançar, pois, vivia fugindo de festas, das danças. De conversa lenta ficava esperando a brecha milagrosa da moça, que por sua vez aguardava que o modelo de iniciativa masculina daquela época ocorresse.

            O baile de São João estava ali, pertinho.

            — Você vai amanhã para o baile?

           — Claro, papai já deixou — respondeu Rossi.

— Vai ser muito legal.

— Vai, vamos estar lá — foi quase como um convite para ele dançar com ela.

            O papo, a menos de um metro de um abraço e de um beijo ficou mais um tempo. O rapaz se balançava, sempre achando que qualquer avanço era demais.

Dez da noite, a irmã passou:

— Vamos, Rossi.

— Vamos, Roge.

            Rossi foi com mão por cima da do rapaz e fez um afago, apertou, sorriu e disse:

— Até amanhã — ele gaguejou ao responder.

            As irmãs desceram pela praça, ele olhando para elas, na esquina, Rossi se voltou e balançou a mão. Quase que ela mandava um beijo.

            No dia do baile não se encontraram durante o dia, umas duas horas antes de ir para o clube, o rapaz se encontrou com um amigo e o convite veio assim:

            — Vamos tomar umas cervejas para a gente se animar.

            Sabe, funcionou, o rapaz tímido, já não estava tão acanhado, chegou ao baile todo animado e foi ao encontro de Rossi, em pouco tempo estavam dançando. Ele com uma calça jeans Topeka, estalando de nova, uma camisa xadrez, perfumada pelo tecido novo. Todo cheiroso com Mens Club, barba feita, cabelo bem penteado. O melhor, se sentia bonitão com a sua linda bota de cano curto de couro marrom.

            Por minutos a dança correu fluída, alegre, repleta de energia. Pena que durou pouco.

            Com o São João se achegando, muitas festas juninas depois, ele assistiu a um vídeo que passou atômico pelo seu celular. Cutucou a cabeça, repetiu o gesto de passar os dedos entre os cabelos, agora mais comportados e ralos. Saiu da casa e foi para o degrau na frente dela. “Vou esquentar o sol, hoje tá friozinho”.

            Ele olhou para o celular e fez um chamado de vídeo, reviu o amigo e perguntou: 

            — Esse vídeo que mandasse é daquele tempo?

            — É.

            — Me lembrou daquele São João que eu parecia o maior dançarino do mundo.

            — Te empolgasse.

            — Foi. Estava todo diferente.

            — Foi.            

            — Foi bom.

            — Que foi bom, foi!

            — Quase namorasse.

            — Foi. Faltou pouco.

            — Por não namorou?

           — Homem, e a timidez deixava! — falou sorrindo, embalado pela doce lembrança.

            — E hoje?

            — Hoje — parou para pensar — Hoje, não sei dizer. Os gostos mudam.

            — Diz logo a verdade, deixa de enrolação! — intimou o amigo.

            Um leve sorriso apareceu para o outro, que ouviu:

            — Nem sei onde ela está.

            O vídeo foi desligado e aquele homem viajou no tempo, onde se viu, sem timidez, alegre, repleto de energia, bailando com Rossi. “Pena que durou pouco”. Não foi pouco, está vivo nas suas lembranças de mais de 40 anos.

sexta-feira, 25 de junho de 2021

A bondade, a ternura, a mansidão.




        Hoje, no blog. Com vocês!

        Tarcizo Leite, com seu lindo poema e Lúcia Ribeiro com a doce captura de um instante da vida.

        Desejo a todos uma prazerosa leitura.
                                                                 Marconi Urquiza


A solidão daquelas paragens

palpável

se sentia desde longe, da outra margem,

do rio.

Os assobios das cigarras carpideiras

atravessam as matas fechadas, prenhes de calor, e mistérios.

Vivia só,

Deu prá viver na mais completa solidão que houvesse de ser

não triste

não rançoso ou melancólico

que a labuta não lhe permitia

e ao ver,

sorria, mais do que boca, os olhos

puros

cristalinos

estalando de tantos azuis, sorriam

- teria tido um mar, por lá dentro a marulhar?-

A bondade, a ternura, a mansidão

estavam por lá, com ele

sempre e desde os sempres.

Houvera uma dor, lancinante,

a perpassar-lhe as entranhas

de longas datas, de longes longuras

do coração

de amores.

Na mira, por sobre o cano longo da espingarda sempre armada

viam-se as paragens, vultos,

de acontecimentos fortuitos, de cravações incompreendidas

que marcaram seus descaminhos.



    Nunca fui muito persistente na continuidade do exercício físico. As interrupções são contínuas. Começo por uns meses, me animo, e me prometo nunca mais parar, porque em poucos dias, já começo a me sentir melhor. Porém encontro com facilidade, motivo para dar aquelas paradinhas, cujo reinício é adiado. É a velha história, “segunda-feira recomeço”, “próximo mês recomeço”.

    Chega um momento que as roupas ficam mais apertadas, a barriga mais saliente. As exigências médicas de controlar a alimentação e o peso. Então, recomeça o ciclo. Uma busca no guarda-roupa, umas peças novas para animar e realçar a necessidade que nós, modernos, criamos de incentivo pelo consumo.

    Encontro em Dráuzio Varela, a explicação de o porquê da preguiça para se fazer exercício. Ele diz que o cérebro humano foi moldado em um tempo onde a comida era rara, por isso a tendência que temos de comer o máximo. Afirma também que a atividade física é contra a natureza humana. Em minha experiência e observação, pessoas que compreendem as do grupo ao qual eu pertenço, têm muito prazer em comer e é preciso muito esforço para construir uma rotina de exercícios.

    Embora Dráuzio generalize, vejo pessoas que praticam alguma atividade por anos. E como eu as invejo. Acho que existe cérebros mais adaptáveis, ou são herança de ancestrais onde a comida era mais abundante.

    Já tentei academia, natação, hidroginástica, caminhada em praias, ruas, parques e nos tempos atuais, há as inúmeras opções por vídeos na internet. Mas no passado, em que minha filha tinha entre quatro e cinco anos, usava as velhas fitas de vídeo em VHS.

    Um dia, estava eu na sala, diante da televisão, em mais uma sessão de ginástica, quando percebi que estava sendo observada por ela. Ela estava curiosa, observando. Aí eu perguntei se eu estava igual à moça na televisão. Ela olhou a moça, olhou para mim, voltou para a televisão e para mim e disse:

    — Tu vai ter que fazer amanhã, e depois, e depois, e depois.

    Bem, a moça era Luísa Brunet. Eu nem tinha a pretensão de ficar igual, mas que filha exigente, viu?

O poder revela ou transforma uma pessoa?

  imagem: Orlando/UOL.            Um papo na última segunda-feira entre aposentados do Banco do Brasil que tiveram poder concedido pela empr...