sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Francisco

 

        O nome dele é Francisco, um dos milhões de Francisco do Brasil. Um dos tantos que sente que a cor da sua pele o pega e o faz sofrer

        Mais de um ano já se passou quando ele escreveu em grupo do Whatsapp: Naquele tempo não tinha nada disso. Era início dos anos 1970, onde ele não sentia o racismo.

        Eu também não, menino branco, conversava com os amigos e os tratava pelo nome ou pelo apelido sem nenhuma outra conotação. Mais que isso, só as briguinhas de criança e jovens.

        Francisco era Francisco, Marconi era Marconi, Everaldo, era o Vevé, Manoel, o Mané. Até ganhei um apelido de um desses amigos que tinha dificuldade em falar meu nome e inventou um nome bem mais difícil e estranho: Malincônico. Já visse uma coisas dessas?

        A reclamação em 2020 tocou em mim de modo diferente, tocou no sentido de pensar cada palavra, cada expressão, cada ponto e cada vírgula. Zerou a espontaneidade. É tanta vigilância, que em vez de falar, prefiro ouvir, pois é preciso cuidar para que as ideias preconceituosas que os anos de vida possam ter incutido em minha mente não magoem as pessoas.

        Quando Francisco disse: Naquele tempo não tinha isso, senti a sua tristeza, a dor por um negócio que nem sequer poderia existir, sei que existe e é mal, maltrata, mata, exclui, acaba com as oportunidades.

        Pois bem, Francisco, somos agora sessentões. Vai meu abraço, vai meu apreço. Estamos juntos.


        Marconi Urquiza

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Criar

 


Ando tão sem assunto, que chego na vésperas das sextas-feiras com a mente vazia e isto já tem vários meses. Algumas vezes me dá vontade de falar do processo de escrita e paro. Penso todas às vezes: É um assunto que interessa a tão poucos e desisto.

Em 2003 eu ensaiava querer aprender mais coisas sobre como criar um personagem e me convidei para conversar com Dr. José Nivaldo, médico e escritor, que vivia em Surubim. Ele bom de papo, falou um monte e em certo momento eu perguntei:

- Doutor, eu tenho uma curiosidade. Como é criar um personagem? 

Silêncio, ele ignorou completamente pergunta. Tornei a fazê-la, silêncio, então parei.  Diz um dos maiores professores de escrita criativa, Assis Brasil, que um livro deve começar pelo personagem central.

Quando rascunhei o primeiro romance eu não pensei nisso, queria apenas contar uma história. Foi isso que fiz. Naquela época ainda não tinha desenvolvido o sentimento, que ao se fazer um texto grande, eu estava como se tivesse construindo uma casa. Isto só ocorreu quanto fiz o Trabalho de Conclusão do Curso de Direito. Meses de trabalho, e sim, foi muito difícil. Não com a profundidade da dissertação, mas tão complicado quanto ela.

Certo dia, já falei dele, ganhei um presente de um senhor, 70 anos na época, um angolano de pele branca, fugido da guerra da independência de Angola, em 1975. Ele me deu o livro: Angola - O último café. Que é uma narrativa da fuga da fuga de uma família no meio da guerra civil e do desejo de vingança contra os filhos de portugueses. Esse título me fez criar imediatamente outro, bem sonoro. Mas não tinha mais nada que uma ideia desconchavada.

Seguindo a cartilha, fui pesquisar. Li muitos livros. Por exemplo: Coronel, Coronéis, de Marco Antônio Vilaça. Li o livro: Coronelismo: Enxada e voto, de Victor Nunes Leal.  

Interessante é o livro de Vilaça fala dos mais famosos coronéis de Pernambuco. Chico Heráclito, de Limoeiro, José Abílio, de Bom Conselho, Veremundo Soares, de Salgueiro e houve outro, que acho que era de Parnamirim. No livro de Leal, ele estudou os coronéis de Minas e São Paulo. Em resumo: Os barões do café e do gado. Os homens riquíssimos e com praticamente os mesmos modos de agir dos coronéis nordestinos.

Em síntese mal ajambrada: O poder é que guiava esses homens e fazia terem certos comportamentos semelhantes.

Continuei a pesquisar, tinha lido no jornal A Gazeta, de Bom Conselho (PE), um pequeno resumo de um trecho do livro A Revolução Pernambucana de 1911, do pesquisador João Alfredo dos Anjos. Cacei esse livro para tentar entender por que em Bom Conselho, em 1911, não houve eleição, motivado por uma briga na bala do coronel José Abílio, a favor de Dantas Barreto, e Lívio Machado Wanderley, que era a favor de Rosa e Silva. No popular, a bala correu solta.

Nessa pesquisa, achei uma autobiografia, um livro raríssimo, do coronel José Abílio: Um coronel do sertão. Li com gosto, nas lacunas eu imaginava o seu perfil, misturando com o que falou de si mesmo, com as histórias que ouvi dele na minha vida.

Um dia, no meio de uma depressão, comecei a escrever, pouco mais de 4 páginas e o coronel surgiu em um hipotético diálogo que tive com meu pai, na porta da farmácia, quando falei para ela da moça bonita que passava na outra calçada e na hora papai disse: Cuidado, ela é do coronel. 

Aí foi surgindo um personagem, rico, cheio de nuances, cheio de manhas, contradições e de humanidade. Foi tanto, que ele extrapolou do romance, ainda inédito, A Puta Rainha para o outro, também a ser publicado: O Último Café do Coronel. Ambos já comentados em outras crônicas.

As ideias, não surgem apenas de uma clarão, ela surgem da reflexão, de certa prática de pensar e agir, de experimentar e tentar soluções para um problema. Não surgem do nada, sempre tem um pesinho em um somatório de pensamentos.

Um escritor, um cientista, um cantor, compositor, artesão. Todos aqueles que usam a capacidade de criar, podem até ter o dom, mas ele exercitam diariamente a vontade de criar algo, de ter uma solução, e por aí vai.

A inteligência, para mim, é mais que uma capacidade natural, ela é criação da pessoa, da sua insistência em melhorar.

Pois bem, como esse raciocínio, quem sabe, um dia, não saia: Coronel, Coronéis, o mesmo José.


Até a próxima.

Marconi Urquiza.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Ao gosto dos leitores

 

   Rubem Fonseca e Gabriel Garcia Márquez


        Tempos  atrás, há mais de um ano eu vi uma entrevista de Tony Bellotto, em uma live de lançamento do livro "Dom". Onde ele, ao ser indagado, disse que o escritor de histórias policiais que lhe inspirou no estilo de escrever foi Rubem Fonseca.  Elogiou demais, disse que ele não aliviava nas frases, era um estilo direto e seco.

        Até então não havia lido nada de Rubem Fonseca, só outros escritores que o tinham como referência e continuei assim, sem ler.  Depois de bem um ano que eu havia comprado um livro seu, Agosto, ele que continuava encostado no meio os outros, na fila para ser lido. 

        Nessa leva de leituras recentes eu havia concluído o livro reportagem, "O Nome da Morte", escrito pelo jornalista Klever Cavalcanti.  Apesar dele utilizar recursos de um romancista, tudo no livro é real. É a história de um matador de aluguel que anotou 492 mortes que fez em 35 anos de profissão. Se tiver preguiça de ler, há um filme homônimo.

        Na secura de ler, desta vez foram dois livros de ficção, dois dos livros da série "Estações de Havana", de Leonardo Padura. Uma série policial que primeiro vi no Netflix, só bem depois li os livros. Desta vez li de uma tacada: "Máscaras e Paisagem de Outono".

        Aí a paquera do livro "Agosto" se transformou em namoro.  Não terminei, mas posso fazer alguns comentário.  O livro traz parte daqueles eventos anteriores ao suicídio de Getúlio Vargas. É um romance entrelaçado de ficção e história real, romanceada. A história é boa e a narrativa não deixa o leitor entediado.

        Mas tem um aspecto que me fez lembrar um comentário do amigo Ronald. Certa vez me disse que eu escrevia seco, sem "lamber (por minha conta)" o leitor. Sem aliviar a carga dramática nos dois romances de minha autoria que leu. Quando eu passei de dois terços do romance Agosto fui me identificando com esse modo de escrever. 

        Fiquei lembrando do comentário de Ronald e me recordei de alguns detalhes que me fizeram ter uma estilo seco. Primeiro: sempre tive muita dificuldade de escrever frases longas, tinha medo de me perder. Segundo: A minha dificuldade em por vírgulas me fez escolher as frases curtas e com ponto final.  Terceiro, o que só ocorreu muitos anos depois. As frases curtas tornam a leitura mais ágil e me obrigada a simplificar e não complicar.

        Ainda bem que só li Rubem Fonseca quando já tinha um certo jeito de escrever. Mas sempre tive uma admiração por dois escritores, meus professores indiretos: Gabriel Garcia Márquez.  O outro foi Graciliano Ramos, cujo estilo, nos anos 1980, eu tentei imitar. Acho que dos dois, estão misturados à minha forma de escrever, foi de onde juntei os seus modos e maneiras.

        Nem recordo quantos livros li neste último ano, talvez 20, mas neste período o que mais me marcou foi o "A Vida em Espiral". Este é romance de um rompante parecido com a crueza dos fatos de "O Nome da Morte". Para quem gosta de uma estilo mais leve, é hora de ler "Tia Julia e o escrevinhador", de Mário Vargas Llosa.

        Por hora, é só isto.

        

        Abração.

        Marconi Urquiza


sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Gratidão genérica




    Nesta semana, em um papo dos tempos atuais com um amigo, apareceu: Gripe, vacina,  um tico de política,  um pouco do que cada um anda fazendo. Como andava a cerveja, os livros,  as leituras,  de futebol não se falou, esse assunto anda fora de moda entre os torcedores do Sport Recife. 

    Leitor das crônicas quis saber sobre os livros:  
    "Rapaz,  acabei mais um". Ainda Indagou: "É aquele que nunca acabava?" E daí mudou de assunto, falou um pouco sobre a mentalidade entranhada:  "Tu vê, entra doença,  sai doença,  e os caras não mudam, parecem amarrados na desgraça". Só ouvi, evitei comentar. 

    Em certo momento, perguntei: 
    "E Sport?" 
    "Olhe, amigo, deixe esse assunto para o começo da Copa do Nordeste".  
    Para mostrar que ele estava encerrado, me perguntou: 
    "E as cervejas?" 
    "Hoje tá pouca", respondi. Lhe disse que um dos filhos e a nora tiveram Covid-19 e fiquei em quarentena, que testei,  deu negativo,  depois gripei, mais um teste, também negativo. 
    "Eu também gripei", o amigo disse. Então parou, seus olhos reviraram, até pensei,  agora tá com esse tique?

     Era necessário esperar,  então ele contou:
     "Na segunda noite que a gripe me derrubou, fiquei sem forças e me deitei cedo. Eu senti meu corpo brigando com os microbios a madrugada inteira,  suando, lutando, esquentando sem ter febre. Quando foi umas 6 horas levantei me sentindo melhor. Já sentisse uma coisa assim, essa luta para superar os microbios?" 

    Sem pensar muito, respondi: 
    "Amigo, nunca tive essa percepção", então ele completou: 
    "Até aquele dia eu também não tinha tido."

    Senti que aquela experiência foi forte, então silenciei, mas ele, então, se saiu com isso:
    "Eu tenho uma gratidão genérica", não me aguentei: 
    "Como é isso? Que isso de gratidão genérica".
    "Vê, é para o motorista,  que não sei quem é e que levou a vacina. Para aquela mulher que aplicou a vacina no meu braço e nem perguntei o nome. Para  o cientista que ajudou a cria-la. Entendesse? Para os políticos que brigaram para que as vacinas viessem rápido..." 
     Interrompi: 
     "É obrigação deles cuidar da população." 
     "É, pode ser. Pode ser... Pode ser."

     No final, pensei como esse amigo, também reconheci o esforço dos milhões que labutam pelo "bem comum".

     Para essas pessoas vai a minha gratidão e o desejo de um 2022 pleno, de tudo que a imaginação lhe conceber.

    
    Abração, Feliz 2022 para todos.
    Marconi Urquiza

    Uma canção antiga, mas que vale a pena ouvir de novo. Clique no vídeo.



Mais um, não é Abração, é, no link: AQUELE ABRAÇO





    


sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

ME DIZ, AMOR? Saudade agora tem nome.


,
17 de dezembro de 2021.

Junho passou, passou de novo o São João, já vem outro e nele a incerteza é o que de mais certo existe.

O Natal na mesma. O Réveillon vai ser festa ainda mais de família. Nada de aglomerar. 

O Carnaval passou e passará na pisada que se apresenta, sem festa, sem frevo, sem gente na rua.

A saudade das grandes festas populares é a saudade que, me parece, ganhou a voz, um rosto e suas canções. 

Mais ou menos há uns 40 dias eu estive em um bar perto de casa e o dono ligou "Alexia" com esse cantor. 

No "Tik Tok" ele apareceu várias vezes, "Facebook", também. Para quem tem acesso a uma boa Internet, pode busca-lo no YouTube.

Ontem fui na academia,  tava lá a audição dele de novo.

Então, acredito que nessa seca de festas, a saudade virou sinônimo de Flávio José.

    "Me diz, amor, como é que vai   ficar
     Meu coração 
     Sem amor, sem calor, sem   carinho 
     Na solidão..."


    Agora é se deliciar, Clique no Link: 
    
    

    Abração, 
    Santa Sexta.
          Marconi Urquiza 


sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Uma cerveja antes do almoço



                         A Alízio Mosca 
pela brilhante ideia. 


"Uma cerveja antes do almoço é muito bom pra ficar pensado melhor." De onde Chico Science tirou essa ideia?

   
        Ontem encontrei-me com o amigo Alízio Mosca e lhe falei que estava sem ideia para escrever a crônica, ele entrou com a frase acima, de Chico Science.
       Estava a tomar um chope à tarde. "Uma cerveja antes do almoço..."
       Para quem está sem ideia, imaginei as agruras de quem compõe canções,  de quem escreve,  de quem precisa fazer um discurso  e está a zero. "... é muito bom pra ficar pensando melhor"
        Ou, no extremo, precisa dizer algo assim: Você quer namorar comigo? Anacrônica.  Com certeza.
        O melhor é ir se insinuando,  se chegando e ver até aonde pode ir para namorar.
       Flertar,  criar aquela chama transcendental que transforma a paquera em namoro.
       Vamos voltar  para a cerveja de Chico Science, aquela que aclara as ideias.  Tal cerveja pode ser um bate papo, um comentário,  uma frase dita por alguém passando ao lado.
       A grande questão é quanto se estar atento para tirar de algo fortuito uma ideia.
       Uma ideia é uma mistura de conhecimento prévio,  um olhar atento  e o desejo  de encontrar uma solução.
       No dizer de Chico Science,  pode ser um simples relaxar. Tirar da mente as coisas pesadas e torna-las leve. Aí a cerveja  é imbatível.  É para relaxar. 
       Mais que imbatível,  é amorosa aquela cerveja tomada com os amigos!

       "Um amor antes de amar

      "Uma cerveja antes do almoço
      "Um papo antes do jantar
      "Um abraço antes de dormir 
      "Um querer antes de deitar
      "Um cheiro ao amanhecer
      "Um amar ao acordar

         Abração, 
         Marconi Urquiza 
    

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Hoje não tenho uma crônica

 


        Hoje não tenho uma crônica, até tentei escrever os sentimentos que me tomaram o coração após a morte do amigo Sérgio Ribczuk.  Ficou em amontoado de letras, abandonei a ideia.

        Nem sei o que terei. Sem sei. Em 2007, como se quisesse limpar a alma das dores da morte de papai, em 1982, eu comecei a rascunhar um livro. Inventei tanta coisa, coloquei tanta história imaginada, pesquisei em vários livro sobre o coronelismo político e quatro anos depois, achando que a ideia estava madura, parei de escrever.  

        Encostei esse projeto, quase enterrei o desejo. Desde 2011 repousava em uma gaveta, ora em um armário e por fim, em um guarda-roupa todas as ideia para escrever O Último Café do Coronel.

        Havia de tudo. Anotações soltas, um protótipo que imaginei que seria apenas reler e continuar. Três roteiros, uma enormidade de personagens, outro tanto de cenas e cenários. Tudo muito e tudo tão pouco.

        2021, setembro. Fui reler o que escrevi entre 2007 e 2011. Na releitura, desisti mais uma vez. Mas em  um dia de outubro, eu acordei com uma ideia, para minha sorte tinha comprado três cadernos, fáceis de manuseá-los e comecei. Segui uma ideia que me foi dita pelo escritor Raimundo Carrero. Por que não faz o narrador como um fantasma?

        Comecei a escrever e dezoito dias depois eu concluía o rascunho de um novo livro, pareceu-me que todos esses anos a narração foi se ajustando, se juntando, se formando em alguma parte da mente. Mas não foi um livro de quem escreveu rápido, pois ele levou 14 anos e dezoito para ficar pronto. E é apenas o primeiro rascunho.  Vários meses levarei para ter uma história arrumada.

        Não é uma biografia, não é um romance histórico. É ficção, essa dádiva que permite mulheres e homens contarem e inventarem suas histórias e por vezes, ajudarem outras pessoas em suas vidas.

        Sim, consegui finalmente largar as pesadas correntes que me prendia para falar dessa situação trágica que pegou todos da família, amigos e conhecidos e deu um nó nos corações dessas pessoas.

    

    Por fim, um grande abraço.

    Marconi Urquiza

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