sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Cuia - o bom humor de Luís Fernando Veríssimo.

 


Cuia

Lindaura, a recepcionista do analista de Bagé ― segundo ele, “mais prestimosa que mãe de noiva” ―, tem sempre uma chaleira com água quente pronta para o mate. O analista gosta de oferecer chimarrão a seus pacientes e, como ele diz, “charlar passando a cuia, que loucura não tem micróbio”. Um dia entrou um paciente novo no consultório.

― Buenas, tchê ― saudou o analista. ― Se abanque no más.
O moço deitou no divã coberto com um pelego e o analista foi logo lhe alcançando a cuia com erva nova. O moço observou:
― Cuia mais linda.
― Cosa mui especial. Me deu meu primeiro paciente. O coronel Macedônio, lá pras banda de Lavras.
― A troco de quê? ― quis saber o moço, chupando a bomba.
― Pues tava variando, pensando que era metade homem e metade cavalo. Curei o animal.
― Oigalê.
― Ele até que não se importava, pues poupava montaria. A família é que encrencou com a bosta dentro de casa.
― A la putcha.
O moço deu outra chupada, depois examinou a cuia com mais cuidado.
― Curtida barbaridade. ― Também. Mais usada que pronome oblíquo em conversa de professor.
― Oigatê.
E a todas estas o moço não devolvia a cuia. O analista perguntou:
― Mas o que é que lhe traz aqui, índio velho?
― É esta mania que eu tenho, doutor.
― Pos desembuche.
― Gosto de roubar as coisas.
― Sim.
Era cleptomania. O paciente continuou a falar, mas o analista não ouvia mais.
Estava de olho na sua cuia.
― Passa ― disse o analista.
― Não passa, doutor. Tenho esta mania desde piá.
― Passa a cuia.
― O senhor pode me curar, doutor?
― Primeiro devolve a cuia.

O moço devolveu. Daí para diante, só o analista tomou chimarrão. E cada vez que o paciente estendia o braço para receber a cuia de volta, ganhava um tapa na mão.


        Hoje não imaginei nada, minha mente branqueou e a dor na lombar, renitente, teimosa como sempre, visto que não me larga a uns quinze anos, incomoda a uma semana. 

        Ela vai e volta e diz:

    — Usa aquele spray antigo, aquele lá verde.

    — Qual? 

    — Aquele lá, que começa com B. 

    — Mas que chata! 

    — Olha lá debaixo da pia do banheiro, tá lá, eu vi ontem. 

    Levantei e fui, não vi. 

    — Ei, não vi o spray verde! —  eu disse à dor teimosa.

    — Tá lá, vem que eu vou te mostrar, e fomos. 

    — Tá ali embaixo, por trás desse monte de embalagens — foi assim que a dor teimosa me mostrou o spray de Bengué. Bálsamo Bengué.


        Por hora, é só.

        Abração, Marconi Urquiza.


Observação:

        Cuia, faz parte do livro O analista de Bagé (1981), em que o escritor apresenta como protagonista um psicanalista gaúcho que não leva jeito para cuidar da saúde mental das pessoas.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Um certo dia

        Me inspirei na canção de Roberto Carlos, O Homem, para dar o título desta crônica. Ela começa assim: Um certo dia um homem esteve aqui... Tinha o olhar mais belo que já existiu...

        Um certo dia eu achei que o final da vida de papai, os seus últimos meses de vida precisava ser contado, era um projeto de uma escrita, não saberia o que iria encontrar, já haviam se passado 25 anos desde a sua morte.

        Comecei a conversar com as pessoas, um pouquinho aqui, outro acolá, a cada conversa muitas outras anteriores foram saindo do anonimato do meu esquecimento para uma recordação ativa. Como no dia em que recebi a sua arma salpicada de sangue e o pacote que ele trazia de Recife para finalizar a campanha política em 1982 e do papo que tive com uma das filhas do seu Herbelino Morais, sobre ter poderes especiais de fulminar os assassinos com um "raio cósmico". Os 1.000% da frustração. 

        Um certo dia sentei à mesa da sala  de casa com o rascunho ilegível do que seria o livro O último café do Coronel. Havia dezenas de páginas escritas à mão com lapiseira.  Um terço, talvez um terço foi possível ler e digitar posteriormente, o resto está apagado. Era o rascunho iniciado em 2007.

        Naquele dia de junho de 2021 comecei a escrever às 4 horas da manhã e ia até às 7 horas. Tomava café e ia esperar a freguesia da Safe Clean João Pessoa entrar em contato. Após às 18.00h recomeçava a escrever e ia, quase sempre, até às 22h.

        Todos os dias, de domingo a domingo foi essa rotina. Foram 30 dias de pau a pavio. Após 30 dias eu tinha em mãos o primeiro rascunho do livro. O que acho excepcional, é que após muitos anos de pesquisa, reflexão, ideação, ao iniciar a escrita ocorreu como se eu estivesse ouvindo um ditado da professora chamada memória.

        Peguei este primeiro original e fiz uma revisão com ajuda do aplicativo Clarice Ai, depois enviei a uma professora de literatura da UFRJ para a leitura crítica. Entre as várias observações, veio que os diálogos eram ruins. Encostei o livro por alguns meses meses e só então voltei a ler e ajustar os diálogos e outros pontos. 

        Com este original criticado e revisado passei para alguns amigos lerem. Um dos feedbacks foi peremptório. Não era um livro de ficção, não tinha emoção. Parecia mais um relatório, seco.  Desta vez, diante das observações importante deixei o livro guardado por mais de seis meses, até que eu visse as observações sem a emoção que as críticas suscitam. Foi como curar o cimento fresco antes de prosseguir com a construção.

        Depois desses mais de seis meses comecei a ler de novo o livro. Pense em algo espinhoso, a revisão de um romance. É lento, é chato, é fundamental, é cansativo, exige perseverança. E fui lendo, e fui fazendo as conexões entre as frases, entre os capítulos, entre as partes, entre os personagens, entre eles e eu. Senti que eu precisava entrar no livro e olhar as coisas pela perpectiva dos personagens. E fui devagarinho, frase a frase, trazendo as emoções que os persosagens poderiam sentir. Muitas vezes eu estava dentro daquele filme que corria na minha cabeça e chegava perto demais, sentia medo e me afastava, depois voltava devagarinho, até a uma distância segura para garantir a emoção dos personagens e minha saúde mental. Era preciso ter verossimilhança e cada personagem se parecesse com gente de verdade, sem serem estereotipados.

        Isto foi lento, repetidas vezes parava e ficava imaginando o que tal personagem deveria sentir diante da cena que vivia no romance e ao achar este ponto, escrevia ou apagava uma frase de "relatório", seca e objetiva, sem a subjetividade que uma pessoa tem. Foi como usar a moenda para fazer o fuba fininho, repete-se a operação muitas vezes.

        A trama foi avançado, a violência crescendo, inspirado em vários episódios violentos ao longo de vários anos distintos que ocorreram na Grutas real. A ironia, o medo, o susto, a raiva, a frustração, a prostração, o silêncio, o ódio. O ódio, o ódio que veio do passado, foi para o presente e caminhou para o futuro. Quando compreendi essa questão do ódio, foi como se eu tivesse descoberto uma questão sociológica, de um comportamento brutal, de uma cultura em que matar lava a alma e era uma questão de valor social. Por incrível que parece, a sociedade antiga admitia isso como valor de hombridade. 

        Chegou a vez do personagem Mário, inspirado em papai, trazer as emoções desse personagem foi a coisa mais próxima do desastre que pude chegar, talvez as emoções mais fortes do livro. Li quando escrevia e só fui ler 4 anos depois de escrita. Senti o mesmo murro que me tirou o ar quando tentei em 2021 para revisar esse trecho.

        Recebi várias sugestões que fui incorporando ao livro, em certo sentido, é uma obra coletiva. Em alguns pontos do livro tenho a sensação é que foi uma intuição, talvez um ditado. Três partes foram escritas de tal forma que quase não precisou de uma revisão, em duas dessas havia chegado de João Pessoa, de repente chegou forte uma ideia, juntei várias folhas de A4, duas canetas e escrevi na mesa da cozinha,  torcendo para não ser interrompido. Escrevi de um impulso só, até a ideia se esgotar, ao final, nas duas oportunidades, tinha metade de um capítulo e outro inteirinho.

        A última observação de melhoria do livro foi sobre o personagem Jaime Guerra. Mais de 15 dias pensando e nenhuma ideia me ocorria, de repente a ideia chegou inteirinha, mais uma vez corri para a cozinha, desta vez em domingo cedo e comecei a escrever, um pouco mais de uma hora eu tinha escrito o destino desse personagem. Posso dizer que nele tem cheiro, cor, sabor e dor. 

        Ao longo do livro, as coisas subjetivas foram entrando através de muitas intuições, arrisco a dizer que pessoas que não vi me ajudaram a escrever partes cruciais para que ter concluído o romance.

        Minha esposa, fez a primeira leitura logo no início, está novamente o lendo, cada capítulo que ela lê abro no início, no último domingo abri o capítulo 13 e li: No silêncio de cada noite sem comício e sem carro de som, aquela eleição foi ganhando contorno de jogos de azar.

        É uma síntese, o corolário de um contexto em que a disputa expulsa o bom senso e os limites da sensatez são extrapolados para um ódio crescente.

        Como está frase há várias outras, por exemplo: Fora uma escolha sem volta e uma amizade que terminou, pegando a estrada do ódio. No certo dia em que escrevi esta frase o sentimento foi de pesar. Foi como eu saisse da ficção e entrasse nos fatos reais que me inspiraram. Agora mesmo viajei para o dia em que estava conversando com papai na frente da sua farmácia e ele confessou para mim que tinha se arrependido de ter votado em um candidato em uma convenção.  Achei aquilo estranho, papai ter me dito este sentimento, ele que pouco conversava conosco.

        Quando li:"No silênio de cada noite sem comício e sem carro de som, aquela eleição foi ganhando contorno de jogos de azar" eu senti pesar, quase uma tristeza. O que mais queria lá 1999 era escrever uma história, desde então havia escrito três romances, O último café do Coronel foi o quarto. Ali, no sofá, com livro nas mãos, fiquei pensando a respeito do esforço, da soma da técnica com pesquisa, com a escrita bruta e a refinada, que é o que fica no livro, e com pesar pensei que outro romance vai ser difícil, pois o momento em que vivo, os principais fatores orgânicos estão direcionados para a atividade de microempresário.

        Resta-me um tênue desejo de escrever mais um romance, que eu acerte a minha rotina e enche meu coração de desejo para eu concluir A quinta forma de matar.


        Bem por hora, é isto. 

        Abração, Marconi.

       


        

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Quase gol

Como se diz, há um monte quase gol.

Começo com um gol, lá por 1973, penso. O time do CSB contra o Vera Cruz, melhor de três jogos para comemorar a reinauguração do antigo campo do ABA.

Bom Conselho também tinha seus times das letrinhas.  CSB, Centro Sportivo Bomconselhense; ABA, Associação Bomconselhense de Atletismo (já extinto nessa época).

Inicia a inauguração com o prefeito e Pedro de Lara, ambos de paletós pretos. Bola no centro,  Pedro de Lara toca na bola. Lá de longe observo os seus sapatos brilhando ao sol, igualzinho aos sapatos de cromo alemão de papai. 

Olhando ao redor,  o campo sem alambrado e sem arquibancada estava lotado. Achei meu cantinho depois da linha do meio de campo, mais para a barra do lado do cemitério. 

Então o jogo se inicia, a poeira subia a cada pisada dos jogadores. Quando estavam todos próximos mal se via as chuteiras. 

Não lembro se foi o primeiro gol, imagino que sim. O time do CSB, de verde e branco, atacava forte e o time do Vera Cruz, com as camisas pretas e amarelas listradas na vertical,  também ansiava por seu gol.

O jogo era quente e jogado. O campo para visualizar é um pouco decaído na direção do cemitério. Também ficava na posição leste-oeste. Com o sol castigando os defensores e o goleiro do CSB no primeiro tempo.

O campo de terra estava lisinho e não estava muito duro.

Nisso o Vera Cruz sobe com quase todo o time, querendo morder o CSB, não lembro como a bola chegou em Elisênio, meia atacante, de passadas largas, sobrando fisicamente.  O maior craque no meio de muito craques que estavam em campo.

Daqui para frente vai a licença da minhas lembranças de 52 anos. 

Ele recebeu a bola, olhou para ao redor e os marcadores estavam distantes e mal posicionados. Deu uma arrancada,  com a bola pertinho do pé e foi chegando perto da grande área, a meia-lua estava a cinco passos. Nessa altura os dois zagueiros já tinha armado a falta. Na bola não chegariam. 

Acho que ele percebeu esse perigo, então... 

Até hoje tenho dúvida: se ele chutou e caiu ou ele chutou caindo. O fato é que a bola queimou a areia,  levantou poeira e foi beijar a rede. O campo estava reinaugurado. E ao redor de Elisênio levantou-se o véu de poeira para tornar plástico aquele momento.

Bem, já escrevi sobre este gol, mas quando eu penso nos gols que enfeitam os meus olhos,  recordo dele novamente. 

Voltando para o jogo, o CSB conseguiu fazer 3 X 0 no primeiro tempo. Nas outras partidas da melhor de três, se a memória não errou, foi 1 X 1 e 0 X 0.

A turma da época me ajude na correção. 

Os quase gol ficarão para outro dia.

Por hora é só.  Abração!
Marconi Urquiza.




sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Sorte ou sortilégio

 


        Dizem que tem sete vidas
        O gato, animal felino.
        Dizem que há proteção
        Maior pra "bebo" e menino
        Mesmo que existe sorte,
        Não é salutar na morte
        Vivermos tirando "fino".
                Ademar Rafael Ferreira

            Na semana passada Cida sofreu um acidente enquanto fazia sua corrida matinal, um táxi bateu nela, pegou no braço que impactou o abdomen. Mesmo sentindo dores deste então, ela está apenas machucada. Dois segundos a mais, um metro a mais, ela poderia estar muito machucada ou morta. Foi sorte.

            Desde ontem fiquei pensando nos quase acidentes, felizmente. Estava parado na esquina da rua Angustura com a avenida Rosa e Silva, em Recife, deixando o trânsito me dar a oportunidade atravessar aquela rua e seguir meu caminho. Cem metros antes ouvi o ronco de uma moto, moto de motoboy, com aquele baú de fibra de vidro na traseira. Ele saiu do Habibs, pega a parte direita da Rosa e Silva e acelera tudo que pode. Eu estava na beira da calçada, a alguns centímetros do asfaldo e a moto veio rápida, pensei que o motoboy iria desacelerar um pouco para entrar à direita na rua Angustura, mas que nada, senti foi o vento do baú roçando minha barriga. Confesso, após alguns segundos o medo chegou, dei um passo atrás e me demorei a atravessar a rua.

            Em outra esquina, desta vez na Rua Dom Bosco com a via local da Avenida Agamenon Magalhães, estava nas imediações do Hospital da Restauração. Neste dia andava pensando em um monte de coisas, a atenção não estava voltada para a rua, mas para dentro da minha cabeça. Alguns metros antes vi o sinal aberto para o pedestre e registrei isso e parti na passada para atravessar a rua, e, e só me dei conta que ele havia aberto para os veículos ao sentir uma Kombi raspando meu corpo. Acho que exclamei assim: "Minha nossa senhora!" Acho que passei o dia pensando, por pouco minha família só receberia a notícia que eu fui atropelado e morto.

            Quando era criança, brincando de carro de rolimã pelas ruas eladeirada de Bom Conselho, junto com os amigos, saímos da Praça Pedro II e resolvemos descer a ladeira da Rua 15 de novembro, a partir do antigo cinema Brasília, onde hoje é a agência do Banco Santander, se existir. Descemos pela calçada da esquerda, eu fui o último a descer. Na minha vez parei debaixo de um Ford Rural. Essa imagem é vivíssima até hoje, mais de 50 anos depois. O dono carro olhando sério para mim, eu sem saber o que fazer, a menor de 1 metro do pneu do carro.

            Entre estes casos e outros, principalmente usando o celular dirigindo, até hoje tive sorte. Mas precisa alimentar esta sorte ao não dar motivo para ela me abandonar.

            Em tempo: Sortilégio é Feitiçaria; ação do feiticeiro que pratica magia ou bruxaria.

            Faltou assunto, para não deixar de passar uma crônica escrevi esta.

            

            Por hora é, abração!

            Marconi Urquiza

            

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Adultização (Felca)

 

(*)

               Nesta semana, bombou nas redes sociais o vídeo em que o youtuber Felca denuncia o esquema da Adultização de crianças por pedófilos. A primeira frase que me veio à mente foi: "Entrei de gaito em um navio, entrei...", como uma indicação que muitos pais não se deram conta desse problema ao liberar acesso irrestrito das crianças à internet. 

        Tem um termo comum no direito para dizer que é culpa da empresa por não vigiar, acompanhar, monitorar: culpa in vigilando. Para os pais, pode não ser diferente, pois eles têm o dever de saber o que os filhos, ainda crianças, fazem e evitar que caiam em armadilhas.

        Vídeo de enorme repercussão, mobilizou vários deputados federais, o presidente da Câmara Federal, Hugo Motta, para pautar o assunto e colocar os projetos em votação. Aqueles homens e mulheres têm filhos e netos; poderiam se preocupar com eles, mas o cálculo é sempre "causar" nas redes, aparecerem agora como defensores da família é ótimo para se "dar bem" nas redes e nos futuros votos. A questão maior, é como o ex-deputado federal Maurício Rands denominou em programa de rádio, eles são os projetos de finais de semana, feitos para aparecer e param por aí.

        E na próxima sexta-feira, esse clamor que ocorreu nesta ainda motivará os parlamentares?

        A acusação de Felca, na minha opinião, é contra a submissão do Brasil aos interesses das Big Techs, e toda manifestação a favor de evitar isso é acompanhada por uma ofensiva ao estilo dos gangsters, mafiosos. Primeiro, vem a cooptação com dinheiro, influência, apoio e facilitação para o nome ganhe proeminência perante o eleitorado. Se não funcionar, vem a chantagem branda; se isso não transformar o parlamentar em apoio às Big Techs, as armas de guerra são utilizadas.

        Tem outra estratégia: atuar de dentro contra tais medidas, minando qualquer iniciativa contrária, cooptando outras pessoas e passando informações que possam ser utilizadas para acabar qualquer iniciativa parlamentar que restrinja as Big Techs.

        Lembrei-me de alguns livros que li quando planejava escrever um romance de ficção, e eles esmiuçam como o caos foi causado pelas Big Techs ao redor do mundo. Entre eles estão: Os engenheiros do caos e A máquina do caos. Nesse contexto, há um exemplo do que aconteceu com o caos político em Mianmar, originado por postagens no Facebook que viralizaram; a empresa foi avisada e não tomou providências. Também recomendo este livro: Mercado sombrio - Cybercrime e você, que trata dos crimes provenientes do submundo da internet, a denominada Dark Web.

        Quase finalizando, tem uma parte de pessoas que vêm tais empresas atuando para serem os supra-governos mundiais, submetendo os países aos seus modos de pensar, principalmente querendo transformar nações inteiras em fantoches para seus interesses e vontades, cooptando-nos através dos algoritmos. Isso extrapola o aspecto econômico e financeiro, para ser uma força política permanente. Nesta semana, li algo que me deixou mais atento às ações dos Estados Unidos contra o Brasil; a mensagem dizia literalmente: o caso não é sobre economia, é sobre política. POLÍTICA.

        Muitos de nós, de tão politizadas estão as coisas, rejeitamos a política. Negamos a política, abandonamos a política e quem dela gosta e quem dela tira vantagem, adora a falta de vigilância dos cidadãos eleitores.

        Vou usar como analogia do termo 'A Economia da atenção', que o que move as redes sociais, sequestrar a nossa atenção por qualquer meios.

        Um sociológo, o qual não lembro o nome, comentou que o que faz muita gente parecer anestesiada perante tantos conflitos, brigas e escândalos divulgados Brasil afora é que estamos submetidos a uma defesa psicológica que implica cansaço, podendo ser uma estratégia eficaz: cansar a sociedade para que não reaja. Sem reação, a estrada fica livre para se fazer muitas das barbaridades que vemos todos os dias.

        De certo modo, creio que vivemos sob um experimento psicológico que deu certo. Nos dominar pelo likes e cliques do que gostamos individualmente de ver. Essas empresas têm sob seu controle uma enorme quantidade de informações sobre cada um que lhes acessa às suas redes e com tais dados podem desenvolver estratégias de algoritmos que nos influenciam permanentemente.  

        Por fim, para quem puder, vamos cuidar para que as crianças da família não sofram com a Adultização, às vezes sem que nos demos conta.


        Por hora, é só. Marconi Urquiza.


(*) Imagem disponível em https://www.blogdotiaolucena.com/abra-o-olho/

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Um conto, quase uma crônica. Uma mistura de ambos.

 



            Um conto, quase uma crônica, uma mistura de ambos.


MARCONI URQUIZA

______________________________________________________________________

O DOM DO MISTÉRIO

Uma homenagem a Luiz Clério Duarte.

  

Estava na redação do jornal local, Notícia Regional. Fazia uma visita de cortesia. Sem aviso prévio do diretor do jornal, ele havia começado a publicar seus escritos. Crônicas, contos, comentários. Um dia, ao acaso, leu o jornal e ficou sensibilizado, disse que viajaria só para agradecer a gentileza. E levou um bom tempo.

O tempo passou, e Jasme José viajou, realizando uma visita a muitas pessoas. No segundo dia em que esteve na cidade, foi à redação do Notícia Regional. Precisava agradecer a gentileza, queria conversar, se sentia solitário. Estava contente por poder ouvir outras pessoas, diferentes do seu círculo de amizades.

Ao chegar ao escritório, viu apenas o diretor do jornal, Arno Ivanovich. Desde a primeira vez que fora apresentado ao repórter, ele ficara curioso para saber a razão de ter sido batizado com um nome estrangeiro, tão fora da tradição da região. Após cinco minutos de conversa, perguntou:

— Desculpa, você tem parentesco com russo?

— Não, é que meu pai, em certo momento, foi um simpatizante do comunismo e andou inventando isso. Você não sabe a maior: um dia, ele viu a marca Arno...

— Ventilador? Indagou Jasme.

— É, também. Meu nome foi dado assim, e Ivanovich foi derivado do próprio nome de papai, Ivan.

— Ah! Bom.

— Seu nome também é incomum.

— É verdade. Papai quis homenagear seu avô, que era apelidado de Jasme.

A conversa correu, Jasme viu um livro sobre a mesa, pegou-o e folheou. Sem muito interesse, devolveu-o ao local de origem. Arno acompanhou o movimento, então comentou:

— Este livro é mais fraco que os outros que ele escreveu.

— Como?

— É muito superficial, afirmou Arno.

— Hum! Folheei o artigo sobre um político, mas não me aprofundei. O pouco que li deu para perceber que tem um tom meio especulativo, comentou Jasme.

— Tem muitas falhas: falhas históricas, não cita as fontes e tem, até erros elementares na redação.

— Notei esse aspecto gramatical em um livro anterior, observou Jasme.

— Mas, para mim, o pior é ele se apropriar dos relatos, como se fossem dele. Com isso, Arno encerrou o assunto, quase, não fosse o comentário de Jasme:

— Ele tem até um parente que é catedrático na faculdade.

— É, ele poderia pedir uma indicação de um revisor, mas lhe falta humildade.

— Também acho.

O assunto esfriou, mas, em certo instante, o jornalista fez uma pergunta:

— Você sabia que Ténisson é doutor em Machado de Assis?

— Ele fez tese sobre Machado de Assis?

— Foi.

— Não sabia. Eu sabia que ele era um professor importante na área de literatura brasileira. Sei até que, com certa constância, aparece nos jornais e até é convidado para editar e organizar coletâneas de uma editora importante.

Arno silenciou por algum tempo, então falou, pensando no professor Ténisson:

— Machado de Assis...

— Leu algum livro dele? Indagou Jasme.

— Memórias Póstumas de Brás Cubas. Mas não pergunte nada. Faz muito tempo que li. E você leu?

— Li vários contos. Estava aqui tentando; não lembro ter lido nada na escola, nem de algum livro dele fazer parte daqueles obrigatórios nos vestibulares que fiz. Mas eu demorei a ler Machado de Assis e ocorreu o mesmo com Clarice Lispector. Buscava citações deles e, mais nada, respondeu Jasme.

— A internet está inundada de escritos sobre os dois. Digitou o nome e aparece uma lista de postagens quase interminável.

— Acredito que isso tenha atrasado minha leitura de um livro completo. Só fui ler dois neste ano, dois livros de contos de Clarice. Já os contos de Machado de Assis li há mais tempo, informou Jasme.

Chegou um rapaz, conversou rápido com Arno; depois chegou outro e sentou no sofá. Após o bom dia, se calou e ficou zapeando no celular. Depois chegou mais um homem, pegou cinquenta exemplares do jornal para distribuir em uma comunidade rural.

Jasme observava essa dinâmica; quando ela acalmou, ele perguntou por Aldo Mário:

— Faz tempo que não vem por aqui, respondeu Arno.

— Gostaria de conversar com ele sobre uma série de eventos políticos aqui da cidade.

— Ele não vem mais, se irritou porque discordei dele. Mas lá pelas três horas da tarde, você acha Aldo no seu escritório. Vá lá que ele vai contar o que sabe. É um historiador natural.

— Obrigado. Você sabe dizer se Ténisson está por aqui?

— Acho que não; ele andou visitando a mãe há uns quinze dias. Vem pouco. O melhor procurar por ele na Capital, na Universidade, informou Arno.

— É mesmo! É que, agorinha, eu estava pensando que todo mundo, sem exagero, fala de Bentinho e de Capitu. Principalmente dela. Traiu, não traiu e com isso vai alimentando a polêmica, sem conclusão, sobre o comportamento de Capitu. É um mistério sem fim.

— É verdade. Machado traz isso em Dom Casmurro, observou Arno.

— Sabe o que eu estava pensando? Jasme deu uma suspirada. Não se sentia seguro quanto ao comentário que faria, embora tivesse a sensação de que a sua percepção fosse mais uma faceta de Machado de Assis.

Arno nada disse; aguardou o comentário ser dito:

— Sabe, Arno, nos contos que li, eu notei um padrão: o primeiro aspecto é que ele não entrega nada antes do final. Se quisermos saber o desfecho tem que terminar a leitura. Do segundo aspecto... nada disse.

— Não entendi o segundo aspecto, quis saber Arno, uma vez que Jasme não conclui o seu raciocínio.

— Não estou bem certo. Você já leu algum conto dele?

— Poucos.

— Talvez, o professor Ténisson não concorde com o segundo aspecto. É que, se ele escrevesse nos dias de hoje, seria o melhor escritor de mistério. Aí começou a explicar o seu raciocínio, citando vários contos em que o escritor prende a atenção do leitor, ao mesmo tempo que o distrai com narrativas paralelas.

Quando Jasme terminou os seus comentários, Arno disse:

— Nunca pensei nisso e também não li ninguém teorizando sobre esse aspecto.

— Na verdade, não pesquisei a respeito. É que li tantos livros de literatura policial ou de algum gênero de escrita semelhante que cheguei à conclusão de que o grande Machado de Assis brincava de iludir o leitor e fazê-lo ler até o fim.

Arno se calou e depois disse:

— Quem sabe eu peça a Ténisson para escrever sobre esse dom do mistério em Machado de Assis.

Na calçada surgiram dois amigos de Arno, e ele convidou Jasme para se juntar a eles, dando por encerrada a conversa.

— Jasme, a turma das onze horas está chegando. Fique aí para conversar com eles e rever alguns amigos e, quem sabe, recordar algumas histórias.

Jasme mudou da cadeira para o sofá, olhando cada rosto que chegava, recordando dos tempos em que aqueles homens, quando mais jovens, apareciam no comércio do seu pai para uma prosa diária no final da tarde. Aí viajou para Machado de Assis e se indagou: quantos mistérios tem por aqui? E o mistério do Bulandim? E do carro de bois que nunca chegava?

Em algum dia de 2021, no meio da sufocante pandemia de Covid-19.


Abração, Marconi Urquiza

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

O Dom do mistério

 



         Nesta semana ouvi um recorte de uma entrevista de Marcelo Rubens Paiva em que citou o período da pandemia de Covid-19, ele falou sobre ter escrito durante e sobre a pandemia, especialmente sobre ela.

        Falar, escrever, conversar sobre esse sofrimento virou meio um tabu e também das dores a serem esquecidas. Eu estou nesta corrente que se lembrar da sofrência durante a Covid é angustiante. Então tenho evitado.

        Dois dias após ter ouvido o comentário de Marcelo Rubes Paiva, na última quarta-feira li um e-mail em que um membro da Academia de Artes e Letras da AABB Recife informava o envio de sua obra para a Antologia 2025. Isto me livrou de perder o prazo para enviar a minha contribuição. 

        Faz tempo que crio apenas o normal, não que queira algo excepcional, mas um pouco melhor que o normal. Foi então que recorri ao estoque de contos. Estava lá, só utilizei.

        Abri o arquivo com os 78 contos e no primeiro título que me chamou a atenção eu cliquei e li o rascunho. Ao contrário de alguns contos, esse carecia de revisão, ajuste na diagramação, ajustes nos diálogos, enfim, um ajuste geral para que se tornasse compreensível. Comecei a debulhar o texto como se fosse uma espiga de milho. Depois de uma hora terminei.

        Vou fazer uma confissão. Comecei a leitura, releitura, e fui lendo sem entender o que o escritor queria, EU. Mas prossegui, fui lendo e corrigindo, ajustando. Ainda na metade , o escritor (EU) continuava obscuro, aí apareceu no conto, Machado de Assis, aí, a mensagem foi ficando menos enbaçada e foi nesse ponto que a recordação veio plena.

        Com a vacinação dando esperança de sobreviver à Covid fui dando vazão a uma infinidade de ideias que se chocavam na cabeça. De julho a novembro de 2021 me pus a escrever, havia terminado o romance Decisão de Matar e desejava me manter sadio, a escrita foi o caminho para isso naqueles longos meses. Então fui misturando fatos e fui deixando a mente ditar de modo espontâneo a escrita. São mais de 60 contos com temas diversos, aleatórios.

        Foi quando escrevi um conto inspirado pela personagem Maria Moura, do romance Memorial de Maria Moura, de Rachel de Queiroz, no qual fiz uma narração fantasiosa e para mim, saborosa. Esse conto foi fenomenal, despertou em mim a vontade de criar contos nos quais trago algum escritor para o contexto. 

        Foi quando comecei a me lembrar de  alguns sentimentos das leituras de vários escritores e foram caindo as ideias sobre a caneta e o papel A4. Eles foram inicialmente manuscritos.

        Ariano Suassuna, Clarice Lispector, Jorge de Lima (do poema A Invenção de Orfeu), Jorge Amado, Machado de Assis, Gilberto Freire, Antonio Maria (cronista de 3.000 crônicas, compositor, etc), Manoel Bandeira e outros.

        No conto que trago Gilberto Freire criei um encontro hipotético com ele, muitos anos depois que timidez nos fez fugir do seu aniversário de 80 anos. Eu vi na TV Globo que ele estava fazendo 80 anos e teria na sua casa um evento. Então eu convidei para meu irmão Marcello para irmos, e fomos. Ninguém nos barrou e subimos a ladeira que levava à sua casa, já dentro de área dela no bairro Apipucos, Recife. Então empolgados, andamos e subimos a escada frontal, quando paramos à altura da porta de entrada, envidraçada, lá vinha ele caminhando pelo corredor para chegar à sua biblioteca, estava dando entrevista a uma TV. A timidez tomou conta e voltamos rapidamente. Fomos embora. Perdemos a chance de o conhecer pessoalmente.

        Muito tempo depois li vários livros dele e Ingleses no Brasil me deixou apaixonado por uma pequena frase: Não foi tanto, decerto! Mas foi quanto. Em abril de 2002 escrevi um poema com esta frase como título, em 2021, finalmente consegui apresenta-lo a Gilberto Freyre, ao fantasiar um encontro com ele, e que a ficção me permitiu finalmente vencer a timidez.

        Aí o mestre Machado chegou, me pegou e puxou para dentro das letras, provocando o conto que intitula essa crônica. 

        Então um sentido de urgência chegou, de repente lembrei que todos aqueles contos podem caber em um livro, dois livros, até três pequenas coletâneas e que o tempo encurta a cada dia.

        Finalizo com as últimas estrofes do poema: Não foi tanto, decerto! Mas foi quanto.

        Decerto! Foi quando

        o coração se abriu

        para querer e 

        o resultado é mais

        que uma soma

        percebida

        É mais uma conta 

        Sentida,


        Então pode se dizer

        que o amor não


        É tanto, decerto! É

        quanto.


        Bem por hora, é só.

        Abração, Marconi Urquiza.

O poder revela ou transforma uma pessoa?

  imagem: Orlando/UOL.            Um papo na última segunda-feira entre aposentados do Banco do Brasil que tiveram poder concedido pela empr...