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(*)
Abri a janela e vi o
mundo.
Abri a porta e senti o cheiro do mundo.
Depois de escrever
as duas frases acima eu me lembrei de uma obra do pintor Cícero Dias: "Eu vi o
mundo ... ele começava no Recife". Parece que eu despertaria para uma nova realidade e ela começou na Rua da União, 263, Hellcife.
Nesta segunda-feira
eu comecei a participar de um curso visando me preparar para apresentar um
projeto pelo Funcultura do Estado de Pernambuco. Grande parte do dia eu ouvi e
prestei atenção no instrutor, que com muita paciência ouvia as pessoas se
manifestando, sem as interromper.
De início, nas
apresentações das intenções de cada um eu ouvi e fiquei de se certo modo
admirado com a variedade de possibilidades de produções culturais vinda da
população. Grande parte das pessoas parecia representar algum coletivo e as suas
manifestações culturais, alguns, como eu, buscavam verificar se as ideias
individuais poderiam ser concorrentes para os recursos do Funcultura.
Dentre os presentes
haviam negros, parte deles eram os mais falantes, o que mais se manifestavam e
manifestaram as suas dificuldades em face do racismo. O Brasil sabe, mas
continua devendo.
A outra parte, com variados tons de pele, só ouvia, aqui e acolá se escutava palavras de apoio e reconhecimento ao que falavam. Em alguns eu senti tensão. Algumas palavras, de certo
modo se repetiram: negritude, território (o da periferia, que vale para qualquer
pobre), ocupação de espaço(política também? Não ficou claro), reparação histórica, etnias, branquitude, cultura
racial, narrativas pelo vencedor.
Ainda escapou alguma
coisa neste sentido: Identidade, pertencimento, símbolo dos vencedores. Em
algum momento eu escrevi na minha caderneta: Branco X Preto; assim com as iniciais maiúsculas.
branco x preto;
preto x branco; preto x branco; branco x preto.
É conflito em potencial, é uma realidade que parece se formar à partir de um pensamento de oposição, de menos oportunidade. O Brasil sabe, mas ainda deve.
Sabe, fiquei
matutando e ao mesmo mesmo tempo tentando ouvir o que as pessoas diziam. Em certo momento me
lembrei que a melhor forma de começar a evitar reproduzir o racismo é quando se
referir a alguém que o faça pelo nome. O meu é Marconi e o seu?
É pela pessoa.
Pessoa.
Olhe para a pessoa.
Se for criticar, critique o comportamento e não nomeie o comportamento por
qualquer viés discriminatório.
Em certo momento eu
me lembrei, como reflexão, que há uma discriminação latente em muita gente. Como exemplo, cito a que há em pessoas
oriundas de certas regiões contra outras nascidas em outras regiões do Brasil.
Para ser honesto, não vou dizer que li ou ouvi dizer, eu senti e vivenciei.
Nesta semana mesmo, um repórter, em uma entrevista que vi na TV, se o que a pessoa sentia era
real ou era
o que ele achava que sentia, como se houvesse um viés psicológico auto
induzindo o processo de discriminação. Isto também me ocorreu quando reclamei há
muitos anos, que mesmo tendo um ótimo desempenho profissional em certo período as oportunidades de crescimento na carreira de bancário não ocorriam. No meu caso, o período foi
de 8 anos.
A discriminação
corrente não é apenas direta, ela é sutil. O preconceito é tão entranhado
na nossa psique que, quase não nos damos conta. Eu vi a diversidade naquela turma e tentei ter um olhar neutro, busquei limpar a minha mente de qualquer pensamento preconcebido.
Pois bem.
Quando eu cheguei na
sala, eu abri uma porta, apenas um equipamento que me permitiu entrar em um
ambiente diferente do corredor. Perto do meio dia eu comecei a achar que uma
janela se abria.
Quero fazer agora um
aparte no que escrevi antes.
Nos últimos quatro
anos eu fui perdendo a minha capacidade de observar a diversidade. Saí do
trabalho por aposentadoria e aos poucos comecei a frequentar ambientes onde há
uma certa uniformidade.
As pessoas com as
quais convivo com maior frequência são, quase todos, ex-funcionários do Banco
do Brasil. Neste ambiente e nem no Whatsapp com este grupamento não se fala em
política, futebol clubista e religião. A restrição advém pela razão de que
estes temas geram conflitos. Digamos que aqui ocorreu a primeira uniformidade.
Neste ambiente, com
estas pessoas, mesmo àqueles em que a sua origem profissional seja distinta,
somos, quase todos de classe média e de pele mais clara. Pode se falar em
uma segunda uniformidade.
Este grupo com os
quais me relaciono gosta muito de futebol. Falamos de futebol, das arengas das
peladas, mas não falamos da preferência individual para seus clubes de Recife.
Poucos vestem as camisas do time que torcem. Caminhamos para a terceira uniformidade.
Para não forçar a
barra, vou citar outro aspecto que me leva a pensar como a minha vida foi
ficando uniforme. Os grupos com as quais convivo têm todos mais de cinquenta
anos. Na maioria, eu imagino, não dialoga com outros jovens, afora as filhas e filhos e é majoritariamente masculino.
Bem.
Ontem eu me dei
conta que a minha visão de vida estava tão estreita que até me surpreendi ao
ver vários pequenos comércios nas ruas adjacentes à rua União. Por quê? Por que meu vasto mundo ficou restrito, uma nesga em uma janela no subsolo.
Chegou à tarde, o sono
me derrubou, aqui e acolá eu pescava as informações técnicas e os comentários
que os participantes falavam. Quando sai de lá eu comecei a elaborar a
experiência do dia.
Quatro horas depois,
ao voltar para a casa, me vieram as frases do início, não as anotei e quase as
perdi.
Mesmo com toda a
subjetividade que nos é inerente, é uma questão de escolha ver a realidade.
O mundo é redondo. Mas, não é perfeito.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
"Drummond - Poema de Sete Faces".
Terça, 10 dezembro, 2019.
Abraço, Marconi.
PS:
A ILUSTRAÇÃO É UMA Reprodução parcial do quadro de Cícero Dias: Eu vi o mundo ... ele começava no Recife*
(*) Fonte: