sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

As aventuras do Demilton

Fonte: Depositphotos


        Comecei essa crônica, nesta sexta-feira, ao som de pássaros madrugadores que vivem nas árvores ao redor do Country Club, vizinho de onde moro, em Recife.  É 4.32h.

        Para o dia 30 de dezembro Zé Luiz convidou amigos para se confraternizarem no último almoço de 2024. Deixa eu ver de memória quem estava lá: Zé Luiz, Eli Domingues, PH, Mário Perez, Gilberto Morais, Nelson Lins, Tadeu, Castelli, Paulo Williams, Demilton e Marco Aurélio.

        Mesa cheia, o papo rolava em grupo de dois ou três. Em certo instante, Tadeu comentou sobre o mimeógrafo, aparelho antigo, a base de álcool e com uso de um papel especial, que foi usado,  especialmente, para imprimir as provas escolares.  O fato que as provas tinham um odor suave de álcool.  De certo modo elas eram cheirosas. 

        Disse Tadeu, bem humorado, que um amigo, como um convite, falou: Já pensou, ele é tão cheiroso, deve ser muito melhor bebendo.  Assim ele começou a tomar os birinaites. 

        Não sei porque a conversa circulou e Demilton começou a contar as suas aventuras, com aquele bom humor de quando narra cheio de vida e detalhes as suas histórias. A gente riu sem freios. Fazia tempo que não ria de maneira tão solta. Ele tem uma biblioteca de aventuras, desta vez contou três diferentes de outras que ouvi antes. 
        
        Naquele dia foram: a visita a praia nudismo de Tambaba e o susto quando o garçom tocou em seu ombro e ele viu o pingolim do rapaz ao seu lado: 
        "O que o senhor vai beber?" 
        "Por favor vá para o outro lado", pediu Demilton.
        A ida à antiga boate Mister e depois o arriscado passeio peladão pelo calçadão da praia de Boa Viagem em Recife.

        Mais detalhes consultar o próprio aventureiro. 

        Aliás, surgiu agora uma ideia, uma sugestão: Demilton grava as suas aventuras e depois reproduz em um livro, vai fazer o maior sucesso.  Bom humor hoje é para poucos.

        Foi uma reunião gostosa, onde o espírito de amizade e de reencontrar amigos nos deixou mais leve. A maioria deles fazia de 2 a 3 anos que não os via pessoalmente, alguns desde antes da pandemia de Covid-19. Naquele dia conheci o Castelli.

        Só posso dizer que foi ótimo reencontrar vocês.

        Abração.
        Marconi Urquiza. 

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Hoje é aniversário de Luiz Gonzaga - não menos.

       
       13 de dezembro, hoje é aniversário de Luiz Gonzaga. Nada menos do que isso. Esta crônica começou há muito tempo, mas só tomou forma em novembro passado. 
        Estávamos em Fortaleza (CE) para o Campeonato de Integração dos Funcionários Aposentados do Banco do Brasil (CINFABB). 
        Naquela noite, eu e cida, mais vários colegas fomos ao Teatro do Humor Cearense. Ali o show começou com uma banda de forró pé-de-serra. Sanfoneiro, zabumbeiro e tocador de triângulo, que nesta banda era também o cantor.
        No momento em que ela inicia a apresentação, o cantor fala sobre Luiz Gonzaga, nada de mais, pois ele tem ótimas canções. Naquele exato instante eu conversava com Cida, então o que ouvi entrou naquela parte do cérebro que tende ao esquecimento, mas não foi o que ocorreu, pois uma palavra acendeu uma roda viva para recordar quem mais havia dito a tal palavra com o mesmo contexto que aquele jovem artista falou.
        Fiquei como toda a plateia ouvindo as várias músicas cantadas, a maioria foi de Luiz Gonzaga, ao mesmo tempo que o sino 🔔 da revelação dava seu som. Nisso o "seu" voltou com força e me desliguei do show e comecei a digitar no celular sem querer perder a ideia que me surgiu naquele momento.
        Para quem sabe o que tem abaixo é chover no molhado, para quem não sabe, pode ser útil. Pernambuco ama Luiz Gonzaga, um amor fenomenal, muitos outros povos Nordestinos também o amam.
         Ele foi um artista que criou uma música, o Baião, transformou o forrobodó em forró, essa música dançante por excelência. Alguns historiadores dizem que o São João como conhecemos foi ele que criou, inspirou, deu sentido. Foi inspirador de várias gerações de artistas.
        Tudo começou há alguns anos. Estranhei a forma como o cantor Waldonys se referiu a Luiz Gonzaga.  Nunca tinha ouvido alguém se referir a Gonzagão daquele modo. Para mim foi no mínimo inusitado. Na entrevista ele falou que conheceu Luiz Gonzaga criança e dele ganhou uma sanfona. 
         A entrevista prosseguiu e Gonzaga entrava e saia dela. Em certo momento ele foi mostrar o talento de Luiz Gonzaga. E a frase de reconhecimento foi absoluta ao demonstrar um dos modos dele tocar sanfona, ao final disse: antes dele ninguém fazia isso. Lá no show do Teatro de Humor Cearense o sanfoneiro fez. Tocou uma música com aquele resfolegar saboroso.
       Os anos se passaram e ouvi  outros artistas cearenses falar de Gonzaga do mesmo modo.
       Na Fliporto de 2024 o escritor Paulo Wanderley usou a mesma expressão de Waldonys. Achei que não era mais modismo. Tinha algo que eu não alcançava.
         Mas hoje (23.11.24) eu alcancei. Lembrei o que cantor falou ao abrir o show, ele disse, vamos começar com as músicas do "Seu Luiz Gonzaga".
        Fiquei rebobinando o dicionário dias seguidos em busca de uma palavra, não encontrei fácil um termo para o sentimento que tive ao ouvir o cantor da banda de forró se referir a Luiz Gonzaga.
        Seu Luiz Gonzaga... Seu Luiz Gonzaga.  Seu Luiz Gonzaga, vixe, é pura veneração.
        Nada de Luiz Gonzaga, "Seu Luiz Gonzaga." Fantástico, isso vai longe, para muitas gerações. No Ceará isso vai longe, tem modo de perpetuação. Veneração.

Viva Seu Luiz Gonzaga!

Viva!

Abração 

Marconi Urquiza

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Hoje é minha vez de ser técnico de futebol

 


Hoje é minha vez de ser técnico de futebol

 

O motivo de escrever esta crônica foi ter assistido o jogo Fortaleza contra o Flamengo na Arena Castelão, em Fortaleza no ultimo 26.11.2024. Fui para ver o Fortaleza de perto e vi mais que imaginava. Vi um estádio cheio, lotado, com 98% das pessoas assistindo ao jogo sentados, uma torcida feliz e estádio imenso e ainda em bom estado, ainda que tenha 10 anos de uso contínuo deste a reforma para a Copa de 2014.

Naquela noite paguei caro para ir e para voltar. Na ida um engarrafamento imenso, a ponto dos motoristas de Uber recusarem a corrida. Só consegui ir porque a atendente do hotel me ensinou um artifício. Colocar o endereço do BNB. Foi assim que consegui o Uber. A viagem de 50 minutos foi ótima, com bom papo com o motorista.

Hoje eu pensei, um jogo de futebol pela TV para mim é espetáculo. Replay, análise tática, algumas vezes, comentários da partida. da arbitragem. Um monte de câmaras, perto, de ângulo aberto, do detalhe, da torcida e por aí vai. No estádio, dependendo do local, a visão do campo é plena, a movimentação dos atletas total, com bola, sem bola. Com bola é a visão direta, sem bola, a paralela. Para um olhar treinado, a mente vai registrando outros detalhes e outros aspectos de cada time.

Digo que tenho um olhar meio treinado, metade treinado. Mas não foi sempre assim. Há 20 anos só via a correria dos jogadores, até que me tornei comentarista da Rádio Tambor, na região metropolitana de Surubim, a convite do ex-jogador profissional, Neto Surubim. Craque da bola e dono de uma verve esplendorosa. Um dia Neto Surubim foi convidado a fazer parte da equipe de esportes da Rádio Integração e me levou junto. O Surubim Futebol Clube iria participar da 2ª. Divisão do Campeonato Pernambucano de 2004.

Ele participava dos programas diários e eu nos dias dos jogos. Então veio o primeiro jogo, Neto Surubim com sua habitual desenvoltura ao microfone deu um baile nos comentários. Aquilo que ele via, eu nem de longe conseguia perceber. Restou-me fazer a estatística do jogo. Aí um locutor criou o bordão: Marconi e a matemática do jogo. Até paguei pela criação de um aplicativo para acompanhar algumas jogadas, bom programa, mas pouco prático, pedi muitas opções.

Então depois desse baile comecei a ir a jogos profissionais como nunca. Comecei a estudar sobre futebol. Livros, blogs, site de cá e do exterior, até que li o livro Universo Tático do Futebol, de Ricardo Drucsky. Minhas percepções começaram a mudar. Comecei a ver além das correrias dos jogadores. Técnico-tático, preparo físico, preparo mental, ambiente de trabalho, mental, salários em dia, local específico para treinamento, liderança. Tem mais.

Vamos saltar o presente.

Venho acompanhando o Fortaleza desde a Série C, na Série B para cá só não assisti na TV mais jogos que o do Sport. A característica que mais era perceptível para mim é o ataque em velocidade, pelo meio, pelos lados. No jogo contra o Flamengo isto apareceu muito forte, mas foi neutralizado na maioria das vezes pelo Flamengo, se por seu conjunto defensivo (meias, volantes e defensores) ou pela falta tática. Evitar a jogada antes que virasse um perigo de gol.

O Flamengo naquele jogo foi posse de bola, passes curtos, o tal de 1 - 2: Domina e toca, com deslocamento curtos e rápidos. Quando a marcação do Fortaleza não conseguia bloquear saíram várias jogadas rápidas e de contra-ataque em uma velocidade espantosa, contrariando o 1 – 2, mais lento. Aqui veio uma percepção que não via nos jogos pela TV e que também passaram distante do meu radar de observador.      

É o seguinte. A defesa do Fortaleza é boa, a defesa e o sistema defensivo. Mais naquele dia foi a defesa que me chamou a atenção, especialmente no mano a mano (jogador de defesa contra atacante). Os jogadores conseguiram bloquear os ataques na maioria das vezes, quanto passava o goleiro atua bem demais.

Em suma, esse é o quadro resumido do Fortaleza. Que ótimo treinador, ótimo ambiente e uma gestão do clube fenomenal, a ponto de ser uma SAF (Sociedade Anônima do Futebol) com recursos próprios. Diferente, por exemplo do Botafogo.

Quando Filipe Luís assumiu o cargo de treinador do Flamengo ele começou a fazer mudança. Após alguns jogos o comentarista Paulo Vinicius Coelho (O PVC) escreveu que com Filipe Luís o Flamengo tinha variação de jogo. No jogo contra o Fortaleza consegui ver três aspectos fortes.

Marcação compactada, quase o campo inteiro. Quase sempre com 6 jogadores. Onde estava a bola estavam os jogadores do Flamengo para não dar espaço para os atletas do Fortaleza criarem as jogadas de velocidade. Quase como um Futsal com seis jogadores contra quatro. Por causa disso, a defesa do Flamengo naquele jogo sofreu pouco.

Arrisco a dizer que o toque de bola curto, com posse de bola quase sempre, é um tica-taca parecido com o Barcelona de Guardiola ou a seleção da Espanha em 2010.

O outro aspecto ou variação de jogo foi a virada, a bola saindo do lado direito para a esquerda, no primeiro tempo. E no segundo tempo, da esquerda para a direita. O Michael, velocíssimo, jogou no primeiro tempo pela direita e no segundo tempo, pela esquerda.  Várias caiu pelo meio e com os jogadores do meio campo chutando de fora da área, ajudado pelos deslocamentos sem bola do ataque.

Mas tem outro ponto que estava em campo, mas não é visível a qualquer observador à distância. A assimilação rápida pelos jogadores das variações táticas implementadas por Filipe Luís. Por que isto ocorreu? Como isto ocorreu?

Pelo respeito que os atletas do Flamengo têm de Filipe Luís, ela já era uma liderança, ele tentou recuperar o ânimo de Gabigol, o tratou com consideração pública, para todos verem, creio que aumentou ainda a percepção de valor pelos demais atletas do clube. Então, creio, que por isso a sua gestão ficou fácil. 

Bem, por hoje é só.

 

Abração, Marconi.

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

O SOM DO GOL

 


        Esta crônica tornou-se essencial quando Euler me disse: não tem imagem do gol. Como apresentar um gol, tido por golaço, com palavras, vírgulas e pontos? Como tornar as palavras em imagens?

        Foi na quarta-feira (06.11.24), treino de futebol preparatório para a Jornada de Integração dos Aposentados do Banco do Brasil, que será neste mês em Fortaleza.

        Nos reunimos no meio do campo para os avisos de costume, qual seria a estratégia daquele treino, nas palavras do treinador Júnior, uma simulação de jogo. Então a primeiro tempo foi o time de hipermaster (entre 65 anos e menos de 70 anos)  contra uma equipe de ultramaster (de 70 anos para frente).

        Eu fiquei no banco vendo o jogo rolar, aí acabou o primeiro tempo e se decidiu que dois times do ultramaster iriam treinar, incluindo alguns jogadores para completar uma das equipes. Eu entrei nessa hora. Fui para a lateral direita, não digo ala, pois fico mais recuado, avanço pouco. E o jogo estava pegado, ótimo para participar, com ataques e defesas constantemente acionados. Eu estava me divertindo, fisicamente não sentia a habitual falta de elasticidade muscular, que prende meus movimentos.

        Estava fazendo tudo que um peladeiro faz: cortar a bola, acertar passes, errar mais ainda, tentava não dar chance para toma gol. De tanto dribles de corpo, acertei a marcação de um atacante. Nessa hora só jogava e pensava defensivamente. E o jogo corria com todos em campo se esforçando para acertar o ataque.

        Em alguns momentos avancei um pouco no início do campo de ataque e logo me posicionava, para junto com os demais jogadores defensivos não tomar gol de contra-ataque. Pois bem, nosso time ataca e ganha um escanteio. Era o começo de uma aventura.

         Atenção!! O ultramaster raiz ataque, Dilson corta, escanteio para o time azul. Lá vai, caminhando para o canto do campo Araken. Valter Araken coloca a bola no gramado e se prepara para bater escanteio. A área está congestionada. Tem gente demais. Dá para contar oito jogadores naquele quadrado do minicampo que ficou pequeno. Valter Araken, arrumou a bola, olhou para a área, parou, está pensando o que vai fazer. 

        Nisso o treinador Júnior, disse: Vai Marconi.  "Eu dei uma corrida curta para a intermediária, quase de frente para o gol, mais pela direita."

        Atenção, o escantei vai ser cobrado, é sempre uma jogada pouco aproveitada. Marconi avançou, o que será que vai acontecer. Ele não é de ir para ataque. Ele olha para trás, viu Zé Maria dando cobertura, do lado esquerdo, marcando alto, esta Renazico. Araken, Araken dá dois passos para trás, dois passos, levantou a cabeça, escolheu para quem cruzar. Ele tocou, tocou para trás! Quebrou toda a defesa! O ataque não entendeu.

        "E a bola veio serena, queimando a grama, nem devagar e nem muito rápida, no ponto. Quando vi a bola na minha direção eu corri, corri e peguei ela em cheio, com o pé direito, com todo o impulso do corpo. Não vi a bola voando, apenas vi o goleiro Edvaldo levantando as mãos e a bola já empurrava com força a rede. Quase instantaneamente."

        Lá vem a bola rasteira, rápida para Marconi, ele vai dominar e lançar pelo alto para ver se encontra uma cabeça que faça do gol. Ôxe, o que ele fez, isso não foi um chute, foi uma explosão. Torcedor, você ouviu? O microfone captou a explosão, quase atômica, da bomba do chute de Marconi. Repórter, encosta nele e pergunta como foi isso. 

    Sim, Osvaldo, assim que terminar vou perguntar o que ele sente por fazer um golaço.

        O repórter chegou e eu disse: 

        — Olha, fiquei contente. Tinha mais 3 anos que não fazia um gol.

        — E como foi isso? Você fez algum sinal para Araken passar a bola? 

        Nada, fiquei até surpreso da bola vir para mim, só não fiz o normal, que era parar a bola, mas me deu um impulso. Para ser sincero, não lembro se pensei em alguma coisa, apenas agi. De repente era para chutar e eu chutei. Foi assim.

        — Você tem ideia da velocidade do chute? 

        — Eita rapaz, sei não. Rápida, né?

        — No minha experiência de repórter esportivo, foi mais de 70 km/h. 

        — Isso tudo? 

        — Tudo. Não arrisco dizer que foi mais para não passar por mentiroso.

        Sabe, muitas coisas na minha vida eu tive desejo. Alguns realizei, a maioria ficou pelo caminho, mas um tinha um sonho. E esse era fazer um gol de fora da área em um campo grande e fiz perto dos 40 anos lá no campo do seminário de Terra Boa (PR), depois de mais de 20 anos de peladas. Tanto que a partir dele acreditei que poderia chutar de longe, esse gol da quarta, vem desses 24 anos em que o sonho se tornou uma alegria em um domingo frio do inverno paranaense.

        Por hoje é só, Marconi Urquiza

 

 

 

 

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

A violência que atravessa os corpos - Édouard Louis

 



        Édouard Louis é escritor francês, 32 anos, seis livros publicados, livros de autoficção, que é o gênero literária como uma autobiografia ficcional. Foi ele que disse que a violência ser como um fluxo, como uma corrente elétrica, repassando a violência para outros!

        Ele esteve na FLIP - Feira Literária de Parati e na última segunda-feira foi o entrevistado no programa Roda Viva da TV Cultura. Foi lá que o conheci. Vi na quarta-feira e repeti ontem. 

        Quis ouvir de novo suas reflexões a respeito da violência como um sistema, especialmente contra os pobres e precarizados. 

        Falou de um paradoxo que sua mãe revelou, que um livro era para ela uma agressão, de algo que seria inatingível e que ela se sentia humilhada e tinha raiva quando ele aparecia com livros em casa, mas, ao mesmo tempo, sonhava em ter uma casa como a Donald Trump, ainda mais inatingível. Mas mesmo assim, com tal sonho se sentia feliz.

        Já na primeira vez que ouvi Édouard Louis o tema da violência ganhou outra dimensão nas minhas reflexões, nas minhas quase autoficções dos três romances que escrevi em que isto é muito forte, dois publicados e um no prelo.

       Há tempos que eu perguntava a razão de, ao escrever romances, me voltei para retratar a violência, no sentido amplo do termo. Pois uma violência física também vem acompanhada de uma psicológica e esta pode ser sútil quando for, provoca tanta dor quanto um tiro na barriga.

        Então, voltando. Há tempos que eu me perguntava por que essa tendência de escrever romances em que a violência é o personagem oculto; se nos contos e nas crônicas isto não ocorre, são textos suaves, alguns idílicos, como o poema Decreto do Carinho. Este é o meu paradoxo, o confronto com a realidade que me atingiu em diversos momentos da vida e o desejo de que tudo fosse de uma paz imensa.

        Enquanto tenta prestar atenção na legenda das respostas do escritor eu me ausentava pensando nas violência percebidas ao longo da vida. Naquela que conduziu minha vida nos últimos 12 anos de trabalho no Banco do Brasil, aquela de minha adolescência, sendo fustigado por ter um espírito independente e de certo modo altivo. Na defesa que achei no silêncio, ora para não sucumbir, ora para não agredir.

        Era ele respondendo, e era, sobretudo, eu viajando nas minhas reflexões. Foi tanto que esbarrei nos tempos iniciais que comecei a jogar futebol. Grosso, perna de pau, de levar drible e ainda ser gozado. Da minha imitação, quando me defini com peladeiro defensivo, que para ser respeitado era preciso ser caceteiro (gíria do futebol que indica que o cara bate dos demais jogadores), até que em algum momento eu mudei, comecei a imitar os jogadores mais técnicos da defesa. 

        Ontem conversando sobre jogar futebol com o Personal da academia eu achei a resposta: para ser respeitado era preciso jogar bem e não necessariamente violento ou viril, na nomenclatura enviesada do futebol. O fato é que me tornei um peladeiro melhor e surpreendentemente para mim, mais técnico. Nunca me imaginei dotado de alguma técnica, mas aprendi a dominar bem a bola, dar um bom passe e outras coisinhas a mais.

        Aí Édouard Louis falou: a violência como fluxo... que atravessa os corpos... violência que recebe e faz nos outros como uma corrente elétrica. Nesse momento tive um curto-circuito. 

        Pela primeira eu tive consciência de que o personagem Aleixo, do romance Decisão de Matar, sou eu e que as suas ações foram as minhas fantasias de vingança pela morte de papai. 

        Imaginei uma pequena bomba estourando um pneu em uma curva de alta velocidade no caminho de Garanhuns e lá do lado uma ribanceira esperando o carro para despedaçá-lo. 

        Aleixo criou uma arma, a partir de um tanque de guerra de brinquedo com controle remoto, para poder matar o personagem Carlos Rivera, que nem sequer o havia feito mal, mas havia feito mal a muitos com sua cobiça e desonestidade.

        Nisso a entrevista prosseguia enquanto eu fazia tais reflexões, em certo instante ele disse que fugiu daquela situação que o oprimia, ser diferente do sonho que seu pai tinha dele. Das pessoas que o agrediam com palavras, da pobreza e da precariedade em que vivia no norte da França e da literatura que o salvou de alguma forma.

        Não posso dizer que escrever o personagem Aleixo e sua história no romance Decisão de Matar me livrou de fluxo de violência, não. Isto ocorreu por que meu próprio pai que nos educou evitando a cultura e o pensamento de vingança, de não cultivar um espírito de rancor, apesar de ter dito que se fosse morto era para nós nos vingarmos. Mas seguimos em frente, juntando os cacos, evitando os encontros que pudessem ocasionar o desejo insano de se vingar.

        O que Aleixo fez para mim foi a oportunidade de sepultar aquelas lembranças que um dia tive, com ele enterrei todas as minhas fantasias de ser um vingador e as transformei em uma narrativa ficcional. 

        Posso afirmar que isto foi maravilhoso, pois não teria tido nenhuma chance de ver os filhos crescerem e de conhecer agora, os nossos netos.

       Enfim, Édouard Louis me fez um enorme favor ao me estimular a escrever estas reflexões.


        Por hora é só.

        Abração, Marconi Urquiza

        

        

        

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Três amigos adoeceram

        

        Três amigos adoeceram recentemente. Um deles vinha adoecendo há muito tempo, desde que aposentou.

        Lembro de uma conversa com ele logo após aposentar, ouvi, em parte fui bom ouvinte, em outro momento veio a impaciência dos mal ouvintes. 

        Nem posso afirmar que controlei a impaciência, mas continuei a escuta-lo. Quando o monólogo deu brecha, eu sugeri: "amigo, escreva, escreva, escreva tudo".  Pensava que ele escrevendo liberaria a sua angústia e ocuparia a mente, mais tarde substituíria os pensamentos por outros sadios. Ele vivia em uma depressão profunda. 

        Nem isto e nem outra tentativa ocorreu.  Hoje ele está inconsciente após uma cirurgia no crânio. 

        Os outros dois, as ocorrências foram repentinas, em um dia estavam bem, no outro hospitalizados. 

        Esta vontade de escrever a respeito veio me perseguindo desde os últimos vinte dias e se tornou inadiável quando desejei Feliz Aniversário e recebi o agradecimento com a informação que um dos amigos estava hospitalizado.

        Na quarta-feira é o encontro semanal com um grupo de amigos.  O assunto, citando um dos amigos foi comentado e passei a passear pela memória. 

        Saí visitando os encontros com amigos e familiares doentes, foi uma viagem silenciosa enquanto ouvia os companheiros da mesa falando as suas loas. Até rimos dos casos engraçados.  Mas a mente continuou o seu passeio e parou em um amigo que trabalhava na mesma agência que eu.

        "- Soubesse que "Célio"* foi hospitalizado?
        " - Não. O que houve?"
        " - Teve um infarto". 

        Na hora pensei: um infarto para quem tem 40 anos é coisa grave.
    
        Saiu do hospital e entrou em licença médica.  Finda a licença encontrei-o na agência, ele trabalhava em um posto bancário.

        " - E aí? Como está?
        " - Estou bem."
        " - Foi infarto?"
        " - Foi estresse".

        A conversa andou mais uns minutos e se encerrou. Mas "Célio" estava diferente, era mais comunicativo, ele ficou introspectivo. Meses nessa condição. 

        Essa imagem da sua introspecção tem servido como um ponto de observação e reflexão de quando as pessoas se encontram com grandes problemas em suas vidas. 

        Como o seu eu elabora tudo isso?

        É isto que venho refletindo sobre estes amigos com doenças recentes. Não por curiosidade, mas por afeto, por desejo que superem a condição e lá na frente coloquem um sorriso no rosto, daqueles que os olhos brilham também. 

        É preciso compreender, se isto estiver fora da nossa capacidade, é respeitar. Deixar a pessoa no seu luto. 

        É fundamental dar apoio, mas a dor do luto pode vir como um remédio para a alma. Noutras ocasiões esse remédio não vale nada, mas é preciso respeitar o momento de cada um.

        Este é o desafio:


        Esta crônica estava pronta desta a semana passada e não tive coragem de publica-la, se não fosse o encontro dos amigos com Loyola na nesta quarta-feira, ela ficaria para arquivo. Para arquivo. 
        
        Mas ela estava aqui, tendo uma frase que mostra a grande alma dele ao responder a um amigo da pelada. Calado eu prestação atenção ao redor e ouvi a sua resposta e ela veio assim, em tom de voz sereno, repetindo, sereno, eis: Para você ver a gravidade, estou fazendo quimioterapia. Mas o papo continuou, ele não mudou em nenhum momento o tom e nos fez felizes. Também serenamos. Serenamos. Ansiávamos para conversar com ele. 

        Ficamos muito alegres pelo encontro.  

        Vai um poema dos tempos que eu não dizia ao ver um amigo, a uma pessoa do meu apreço: Foi muito bom te ver, dizendo, cumprimentando e olhando nos olhos.

        Vai o poema:

        SÓ SAUDADE
        amigo,
        amigo sinto saudades,
        nunca ligo,
        não é por maldade,
        tem descaso,
        mas não é maldade,
        é por saudade.

        Amigo,
        a saudade enternece,
        quando cresce,
        entristece,
        acredite
        no meu coração
        na alma.

        Se lugar é
        muito grande.

        Amigo,
        não ligo, mas
        ligo aqui dentro,
        sei que não 
        advinhas.

        Imagine, amigo!
        Querer de 
        tão longe saibas
        disso,
        De longe e ainda
        mais
        se não ligo,
        mas digo,
        a saudade diminui
        quase rui
        quando estas palavras
        vão para ti.
        Só faltam chegar,
        verdade,
        verdade!

        Amigo,
        eu sou só saudade.

        Araruna-PR, 26.08.2000
        Fiz como um pedido de desculpa a Ary Braz.


       Abração, Marconi Urquiza 





(*)
Célio - nome fictício. 

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Viva os amigos!!!


    (*)

       Para mim começou timidamente há seis anos nos treinos de futebol para os jogos dos aposentados do Banco do Brasil na AABB Recife. 

       Eu jogava eventualmente, só aumentava a presença no campo nestes períodos, ia mais no clube para encontrar pessoas. Na época, meros conhecidos. 

       Por causa dos treinos os nomes começaram a se fixar em minha mente.

     Então para não ficar na solidão fui aumentando as idas à AABB. Quarta e sexta. Ia para ver gente.

      Ia para ver gente. Só para ver.

      Queria ouvir vozes e não apenas as vozes dos meus pensamentos. 

      Certa vez encontrei dois colegas aposentados conversando e bebendo cerveja. Perguntei se podia sentar. "Senta aí", e uma cadeira foi apontada para mim.

     Nesse tempo ainda pedia a minha cerveja, diferente da que eles bebiam. 

      Então comecei a vir, assinar o ponto, ouvir mais que falar.  Esses amigos eram quatro, com histórias em comum. Amigos de décadas.  Então eu ouvia, ouvia, é bom ouvi-los.

      Aquele dia para beber cerveja foi se ampliando, um compromisso de minha parte crescendo. Embora tenha faltado muitas quartas-feiras, vi a importância daquela conversa semanal.

      O tempo passou e eu fui fazendo parte daquele grupo de amigos, a ponto de minha presença e atenção serem cobradas.

      Em alguns dias, a mesa fica cheia, em outro, são apenas dois e amizade vai sendo renovada.

     E tudo isso para dizer: Ei amigos!

      Aquele abraço. Aquele abraço França, aquele abraço Joãozinho, aquele abraço Loyola!, aquele abraço Valter.

       E para não deixar o futebol de fora, até que quase dá para armar um time de society.

      Na ordem dos nomes. Vai um
volante, um atacante, um ala esquerdo, o meia-atacante e eu, o zagueiro. 

      Bem, o abraço mais apertado. Assim que começamos nossa jornada amizade, de copos cheios, um dos amigos diz: "Que minha mulher nunca fique viúva" e os copos tilintam. Aí outro saca, "que não falte..." Bem, fica o resto para outro dia.

      De nossa parte, um cheiro para nossas esposas, uma trem de humor e uma terra de amor.

      Bem, por hora é só.

     Abração, Marconi Urquiza. 

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O poder revela ou transforma uma pessoa?

  imagem: Orlando/UOL.            Um papo na última segunda-feira entre aposentados do Banco do Brasil que tiveram poder concedido pela empr...