A cidade estava elétrica aguardando o domingo seguinte. Muitas pessoas suavam as mãos na expectativa.
Na farmácia de papai, vez por outra, amigos se encontravam e a pergunta era uma só:
— Você vai?
— Vou! Já consegui uma carona.
E os comboios foram se formando. A
coisa fluindo. A comunidade se apoiando, se unindo, se ajudando. Sem
mesquinharia.
Meu pai tinha dois carros. Um Corcel
I e uma Rural. Ele dirigiu o Corcel e eu conduzi a Rural. Devia ter um ano que
era motorista, ainda de menor.
Dirigir menor idade era muito
comum e a situação justificou a liberação para eu ir a outra cidade.
Vários carros de papai foram
batizados. Ele tinha essa mania. Antes teve a Belina Marta Rocha, o jipe Osaka. O Corcel era o Cavalo Branco. A Rural, mudou
de nome, virou Sofrida. Quando queria alguma coisa dizia: Vai na Sofrida.
Apelido curioso. Quando a comprou, o carro estava muito maltratado. O dono
anterior, estragou tanto, que antes de utiliza-la passou por uma
reforma inteirinha.
Daqui para frente é quase tudo imaginação.
Alguns fragmentos espaçados juntei para contar essa história.
Imagino que ocorreu em um domingo.
Imagino que a fila dos carros
começou a se formar nas Cinquenta Casas, bairro de Bom Conselho, em Pernambuco.
O asfalto era um sonho, apenas isso e a saída da cidade era por ali.
Sete horas a fila já era imensa. O
carro do prefeito na frente. Muitos chegaram a pé e conseguiram a sua carona
naquela fila.
Curioso, espichei o pescoço pela
janela do motorista e olhei para trás. A vista se perdeu na fila dos carros,
quando ela fez a curva para a rua Vital de Negreiros. Me arrisco a dizer que já
estava perto da prefeitura.
Sete e pouquinho veio o primeiro
aviso. O horário de Bom Conselho era de dez horas. O destino ficava a 43
quilômetros dali. Em um Parque de Exposição de Animais.
Sete e meia. Hora de sair. A fila
começou a correr devagar. O enorme comboio não passava de 60 km/h.
Nessa altura a imagem sumiu e só fui
acha-la faltando 9 quilômetros para a nossa redenção.
Passamos por Brejão naquela
pisadinha de andar em fila. Após essa cidade, fomos subindo. Subindo e
descendo sem muito perigo. Depois desse trecho pegamos uma espécie de planalto.
Já perto da entrada para Correntes, se iniciou uma suave, mas longa descida.
Alguns quilômetros.
Nessa parte da estrada se via alguns
carros à nossa frente. Nada muito expressivo aos olhos.
Quando a gente foi se aproximando,
de onde é hoje a Churrascaria da Paz, é que tive a primeira visão que me
deslumbrou. Fizemos a curva à esquerda e olhei para frente. A fila de carros se
perdia quinhentos metros depois, entrando em uma curva à direita.
Tocando o carro devagar nesse ponto,
chegamos na mesma curva, que era mais alta que o resto daquele trecho na estrada.
De novo vi os carros fazendo outra curva, agora, uma bem aberta à esquerda,
como um arco gigante. Outra imagem que deslumbrou.
Em uma velocidade baixa os carros
seguiam para o destino, mas o fim da fila não vi, estiquei o olho para o
retrovisor e a cobrinha da esperança também se perdia de vista.
Um pouco depois a gente entrava em
um imenso trevo arredondado. Viramos à esquerda. Mais alguns minutos paramos. A
fila agora era de gente. Milhares esperançosos.
Entramos no parque e já a alguns
metros começamos a ouvir um som de thac-tchac. Debaixo de um galpão, dezenas de
pessoas armadas com pistolas, disparavam esperança e saúde nos braços das
pessoas.
Saímos dali para a Festa da Vida,
vacinados contra a meningite.
1975.
Marconi Urquiza (16 anos).











