sexta-feira, 1 de março de 2024

E até lá?

        A frase que emoldura o título desse texto me acompanha há quase 15 anos. Um dia em uma sessão de psicoterapia eu ouvi esse basta, basta de falar em morte, que era a minha obsessão na época. 

        Várias sessões, quase dois meses de desabafos reais e desabafos por não conseguir enfrentar àquela realidade que me oprimia.

        Aquela sessão se encaminhava para o final, já havia me levantado e a mão no trinco parou ao ouvir: "E até lá você tem que viver", o complemento não veio, mas ouvi: "Aproveite a viagem".

        "Aproveite a viagem como puder, mas aproveite!"

        Ontem peguei um romance e fui folhear.  Li a orelha com zero de interesse e me cobrei, leia o início do livro, você não vai ler mesmo.

        Sem nenhum compromisso de ler aquele livro, li o primeiro capítulo, curtinho, que me atraiu, como um ímã poderoso a termina-lo.

        Depois disso reli a orelha e olhei de novo a capa do livro com outros olhos, com outro significante e fiquei abismado com o título: Água Fresca para as Flores.

        Se abrir a mente, o coração, Água Fresca para as Flores é capaz de provocar uma sucessão de ideias para preencher algumas páginas de nossas próprias histórias. Histórias de nossa viagem por aqui.

        Aí folhei o primeiro capítulo. A abertura do livro, quase no final da página traz uma lição de igualdade que ocorrerá com todos nós.  A personagem vai refletindo que a única diferença entre os mortos daquele cemitério ocorre apenas na madeira do caixão.

        Passei alguns minutos com a frase reverberando mente, um estalido que fez escrever este texto.

        Sabe, há momentos, nestes últimos anos, que me pego pensando: "E de agora em diante o que fazer para o resto da viagem ser prazerosa?"

        Como resposta, fica tudo difuso e vou vivendo em busca dos pequenos prazeres, da sensação que faço algum bem, de servir sem esperar retorno, de tomar cerveja e conversar com os amigos sem nenhum compromisso com os conflitos, sem nenhum preocupação em divergir, só quero ouvir as histórias, quando muito acrescentar alguma boa; "jogar conversa fora", rir das lezeiras e voltar para casa mais leve. 

        O tempo voa, a viagem fica sempre mais curta, então vamos brindar com uma cervejinha bem gelada?

        Bem, nessa viagem, por hora, é só.

        Abração. 
        Marconi Urquiza. 



sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Fi de uma égua


            E você, como xinga?
        
        Uma réplica que me fez pensar, e ainda contínuo pensando.

        Em dezembro surgiram algumas propostas de serviços extra-agenda. Não tínhamos braço para atender a 5 clientes,  então falei com um trabalhador temporário,  no jargão do nosso negócio: um extra.

        Ao ligar para ele fechamos um acordo. Na primeira semana ele cumpriu o acordado e atendeu aos clientes com uma garra surpreendente. Tudo certo, com a sua anuência e a certeza que ele atenderia essa agenda extra, fechei mais serviços.

        Quinta e sexta-feiras fechou um grande atendimento antes do previsto, no entento, logo na segunda-feira seguinte falhou e justificou.  Veio a terça e a quarta-feira seguintes, tudo certo, cumpriu, recebeu elogio. Preocupado com o atraso que havia ocorrido na quarta-feira pedi para deixar os equipamentos no meu carro ao final do dia.

        Acordei com ele que o pegaria na manhã seguinte.  Sem nenhum sinal de embróglio voltei para o hotel. Antes das sete da manhã me dirigi à casa dele, na     metade do percurso mandei uma mensagem e a resposta me quebrou: Não iria trabalhar naquele dia e o pior, silenciou. Ainda assim insisti e fui na sua casa, zero de êxito. Conversei com a esposa dele, até lhe disse que só havia fechado os serviços pela "certeza" que ele havia me dado. 

        Para não queimar com o cliente, agendado há mais de uma semana, fui atender junto com outro funcionário, ainda aprendiz. 

        Serviço concluído, sentei-me na frente do prédio em uma pequena praça e fiquei conversando um pouco com o funcionário em treinamento, de repente lembrei da quebra do acordo do trabalhador temporário e exclamei irritado: Fi de uma égua. Aí me espantei.

        O funcionário olhou para mim, segurando o capacete da moto. Ele em pé, eu sentado em um banco de cimento sob a sombra de árvores, sem mudar o tom de voz, na maior calma, perguntou: O que a mãe dele tem haver com isso?

        Vou repetir: O que a mãe dele tem haver com isso?

        Qual não foi a minha surpresa. Tentei sair com uma resposta que justificasse meu xingamento, não achei, busquei jogar de volta a saia justa indagando como deveria xingar apenas o indivíduo e acanhado descobri que não sabia xingar a pessoa sem trazer a mãe,  a mulher, o pai, etc. Um terceiro.

        Vi ali um traço de uma visão diferente de mundo, uma consideração sutil do rapaz pelo trabalhador temporário e um respeito à sua própria mãe, já falecida.

        O primeiro pensamento, na esteira de uma reflexão que se aprofundou, foi que, de novo, caiu sobre minha cabeça a exagerada mania de confiar e acreditar nas primeiras impressões sobre uma pessoa. Uma certeza incerta. Uma falha que me acompanha a vida inteira, colocar fé em pessoas que não se conhece adequadamente.

        A intuição ajuda,  e como ajuda, mas o viés da certeza que me tomou por aquele trabalhador embotou a percepção de qualquer sinal que algo podia dar errado. Outro ponto desse episódio, é que o senso de oportunidade deve estar escorado em uma retaguarda organizada, se não, vai queimar a melhor coisa que se conquistou até agora, a de uma empresa confiável.

        Bem, voltando ao xingamento. Caí no Google e fui pesquisar outras formas de xingar apenas o indivíduo, vi poucas.  Apesar desse impulso inicial, importante mesmo é  a luta diária para não chamar alguém de Fi de uma égua quando essa pessoa merecer um xingamento, mesmo apenas mental.

        Sabe de uma coisa, no final foi a memória que me socorreu com uns poucos xingamentos individuais. Agorinha mesmo lembrei de um jeito de xingar só o indivíduo, fui na juventude, lá em Bom Conselho de 50 anos atrás e achei isso aqui: Ele não vale um Cibazol. Ele não vale a banda de um conto. É um desqualificado, entre outros que a memória foi trazendo do dicionário de papai quando se irritava com alguém.

        Ele não vale um Cibazol era do povão. Se você não sabe o que Cibazol vou explicar. Ele era um medicamento (comprimido) vendido antigamente nas farmácias e de tão barato, não era nada valorizado. 

        Pronto,  agora posso extravasar. 

        Mas, e a resposta para a indagação "O que a mãe dele tem haver com isso?" Mesmo merecendo uma resposta sensata e educada, não achei, ainda estou a procura.

        E você, como xinga?

        

        Por hora é só. 

        Abração! 
        Marconi Urquiza


        PS: A imagem que ilustra esta crônica foi criadapor mim pela IA no Bing.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Sport Club Caraúbas e outras aventuras

 

FONTE: 
 pt.pngtree.com
       
        Era uma camisa comprada no meio da feira. Cada uma comprava a sua e entregava ao criador  do time, que se comportava como dono. Depois cada um arrumava uns trocados para paramentar as camisas. Escudo colorido, número nas costas pintados à mão. Os calções eram encomendos em uma costureira. Os meiões também eram comprados por cada um, com recomendação de comprar na loja certa, que teria boa qualidade. E tinha. O meião aguentava quase um ano de uso.

        Terno pronto, era esperar a inauguração do padrão em um jogo do nosso tope.

        O material era tão frágil, peba, na gíria da nossa adolescência, que na primeira lavada perdia a cor e esgassava ao menor esforço. 

        Dia de estréia das camisas era uma maravilha, dava para sentir a satisfação dos atletas, só menor do que a de entrar em campo.

        Se o time sobrevivesse, daí a uns seis meses era juntar grana para comprar outra bola, a bola do jogo em nossa casa.

        Se o time sobrevivesse e o jogador sobrevivesse no time, daí um ano era hora de substituir o terno, o padrão. Lá vinha nova cota, e muitas cotas eram para comprar o equipamento para o craque que não tinha grana, ou o craque que sabia do seu valor e fazia charme ou exigia a retribuição para continuar no time.

        Um dia, com 30 anos, depois de uma seca de quase dois anos sem jogar futebol de campo, organizei um time, o Sport Club Caraúbas. Viajei para Recife, comprei todo o terno, da melhor qualidade, camisa azul, calção e meião brancos, bolas Penalty, da melhor qualidade. 

        Aventura que nos levou a jogar em Catolé do Rocha (PB), Felipe Guerra, Apodi, Dix-Sept Rosado, Janduís, Campo Grande (Ex-Augusto Severo), acho que Mossoró e a própria Caraúbas, tudo no Rio Grande do Norte.

        E um dia se organizou um jogo entre o time antigo da cidade, tradicional, cujo terno era preto e amarelo com listas horizontais, com o Sport Club Caraúbas, novato, a estreia do time. O melhor árbitro da região foi convidado, afinal aquele jogo foi denominado a semana inteira de clássico. Véio, foi demais.

        Naquele 1989 foi um evento e tanto, entrevista na véspera do jogo na rádio Caraúbas, jogo narrado para a rádio ao vivo e no carro de som à beira do campo de terra, sem alambrado. Muito gente vendo o jogo. Foi uma maravilha. Foi estranho também ouvir o jogo que todos nós participávamos.  Nosso time cansou, mas sustentou aquele 1x1.  

        Para ser sincero, me senti uma estrela naquela quarta-zaga. Mas a aventura acabou 10 meses depois e deixou essa alegria do auê em uma cidade carente de tudo, até de um evento de um futebol vivamente amador, como foi naquele domingo.

        Minhas alegrias de uma paixão que me fez recusar tudo relacionado ao futebol que não seja ser peladeiro.

        Por hora é só. 

        Abração, Marconi Urquiza


sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Empilhando livros

                         

https://pt.vecteezy.com/

            Ano retrasado, eu empilhei páginas, li quase nada. Em 2023 andei empilhando livros. 

        Li muitos, vou comentar quatro. A cabeça do santo, Vista Chinesa e A palavra que resta.

        Os três são de autores brasileiros contemporâneos. Nunca li tanto escritores nacionais como em 2023. 

        Terminei o ano com Machado de Assis, Casa Velha. Um romance só descoberto em 1944. Não um dos clássicos dele, mas um romance em que o amor se torna impossível. A paixão é primeiro negada, depois acaba por um detalhe letal.

        Vamos ao romance de Socorro AcioliA cabeça do santo é história que tem início com uma quase loucura, uma raiva que tirou um homem do prumo e perpassa a crendice popular, os homens e mulheres que fazem dessa fé um enorme veio de grana, de políticos que veem aquele movimento como ameaçador e escolhem fazer o município encolher até desaparecer. O livro vai correndo por uma voz só escutada na cabeça do santo e uma espécie de paixão vai se formando em que ouve o cantar continuadamente. É uma história que tem tanto de surreal quanto de real, quanto tem de egoísmo quanto de abnegação. Tudo isto em poucas páginas. 

        Do romance Vista Chinesa (Tatiana Salem Levy) li várias resenhas e comentários e passei batido por ele. Até que li um artigo de uma jornalista do UOL. Comprei ali mesmo, no sofá. 
        Dias depois ele chegou, demorei a abrir a embalagem, que  ficou vários semanas esquecida. Quase iria para a pilha dos livros não lidos. Uma manhã de um sábado lembrei dele, o peguei e fui na velha pressa, na costumeira velocidade de quem tem o hábito de ler. Algumas páginas depois já lia de devagar, poucas páginas por vez, a história foi ficando toneladas tensa, com peso psicológico do tamanho da maior dor que uma mulher poder ter. 
        Não imagine que seja a do parto. Continuei lendo poucas páginas por dia, na medida que podia absorver. O fluxo de pensamento da personagem principal vai buscando achar na dor a sua força e a sua sanidade. Tem mais, mas só lendo para compreender toda aquela situação extrema.

        Aí e veio o romance A palavra que resta (Stênio Gardel), soube dele bem antes de o ler, soube através de elogios, mas não li, o gatilho para iniciar a leitura foi o prêmio que o livro obteve ao ser traduzido para o inglês em 2023. Comprei-o. Nesta altura o interesse na leitura era vívido, quase ansioso. 
        Tal como A cabeça do santo, também é um livro pequeno nas quantidade de páginas, com frases que atropelam o leitor apressado, o obrigando a desacelar, ao mesmo tempo em que provoca a vontade de avançar rápido, naquele misto de querer saber o quanto antes o final e do que há na estrada esburacada da vida de muitos homens e daquele personagem que quer, ele mesmo, descobrir o que tem escrito em carta guardada por 50 anos. Já que, até então, é analfabeto. É um livro duro,  é preciso desarmar o espírito para ir além da externalidade e ver a essência. 

        Por fim, comecei 2024 lendo Neupropaganda na tentativa de tirar meus romances da pilha dos livros nunca lidos.

        Por hora é só, ótima leitura de qualquer dos milhões de livros que você tem para escolher.

        Abraço, Marconi Urquiza

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Reflexões de uma conversa

       


        Estávamos viajando, um dia ruim, pois íamos  para o velório de um tio. Viagem comprida, 4 horas na estrada. Assunto rareando, se repetindo e em certo momento a pessoa que viajava comigo começou a se queixar de uma conhecida, depois se queixou de outra, se calou e voltou a reclamar. Nem eu tinha argumento, nem queria alimentar aquele papo, me mantive calado, tentando ser apenas um ouvinte.

        Na altura de Cachoeirinha, a uns 90 quilômetros do nosso destino,  ela voltou a se queixar. Das mesmas pessoas e mais umas duas. Quase replico, quase dizia que aquele assunto não me interessava, pois tais queixas não eram novidade.

        Deixei aquela cidade para trás e com a estrada boa, de curvas suaves tentei adiantar a viagem em alguns minutos. 

        O silêncio agora era só quebrado pelo som baixinho de alguma rádio. 

        Talvez alguma canção que tocou, talvez a busca de uma salvação, mas em algum momento lembrei de um poema e fiquei tentando declamar ele inteiro na minha mente, mas mantive-me calado, na moita.

        A viagem prosseguiu, o rádio baixinho continuava tocando alguma coisa, não prestava atenção, só olho na estrada e muita atenção. A velocidade passava dos 130 km/h. Estava até contente, as queixas tinham cessado, o poema tinha se escondido de novo na memória. Aí tive que diminuir a velocidade, uma fileira de caminhões estavam à nossa frente, veio a reclamação pela ansiedade, que iríamos chegar depois do corpo e daí o assunto queixoso voltoue e me salvei da ladainha declamando o que lembrava do poema:

Quem tem o mel, dá o mel.
Quem tem o fel, dá o fel.
...
Quem nada tem, nada dá.(*)

Repeti isso daí em diante, até a viagem acabar. 

É uma lição que aprendi e continuou aprendendo, nada espere, de quem tem nada a dá. Não se frustre.

Grande abraço,  Marconi Urquiza 


(*) Zé Ramalho.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Do Carnaval ao Ano Novo

     
     Estava a cabular um assunto quando lembrei que
Gonzagão em uma canção se referiu às 4 festas do ano. Para mim, papai marcou claramente as suas quatro festas do ano.

    Até que saúde dele, dos amigos e a idade permitiu,  ele brincou demais no Carnaval. Várias vezes vi os seus amigos entrarem em nossa casa para festarem, comerem e beberem, depois saíam para a próxima parada na casa de outro amigo.

     A próxima festa,  bem demarcada,  era a Semana Santa, dois dias de convívio pleno com papai, quinta e sexta santa.  As refeições tranquilas,  sem pressa, sem faltar ninguém da casa. Ele parece que nestes dias desacelerava. Nunca esqueci,  era nessa época que ele me encarregava de ir no bar de João Presideu pegar uma garrafa do vinho Velho Macassa. Um antigo vinho tinto.

     Depois vinha  o Natal. A casa ficava bonita,  parentes iam lá cear,  mas era a festa nossa, dos filhos,  pois os nossos amigos iam para nossa casa. Papai vestia camisa de linho,  clara, manga curta, calça escura,  o sapato de cromo alemão (para as ocasiões especiais), as três gotas de um perfume francês. 
     Ele que não ficava muito em casa nas horas de folga, mas na véspera do Natal circulava pela casa com uma expressão de que estava feliz. 
      Logo chegava o Ano Novo, tudo era bem preparado para receber os amigos,  primos,  conhecidos.  Quem fosse era bem recebido. Peru,  whisky do bom, cerveja da boa, comidas variadas,  tudo abundante. Não era para faltar nada. Perto da virada do ano papai demonstrava alguma ansiedade para ver quantos amigos aceitariam seu convite.
    A casa, geralmente na penumbra, estava nessa época muito iluminada,  colorida, alegre. Até hoje,  quando recordo,  vejo em minhas retinas tudo brilhar. 
    Por fim, mesmo nos tempos de vacas magras, havia sempre o ritual de comprar uma roupa nova para o Natal e outra para o Ano Novo, e na semana das festas ganhávamos dois tostões para a gente se divertir no parque com os amigos. 
     Feliz 2024.

      Abraço,  Marconi Urquiza. 
     
      

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Espírito suave, coração bondoso, pessoa do bem

 

                        

                                           Tio Pedro, mamãe e Tio Zé Maria

        Na infância, entre os dois ou três anos até à adolescência convivi, passei todas as férias escolares no Barro, convivendo com os tios, primas, primos, o avô, os animais, andando no mato, chupando caju, comendo cuscuz com o leito ordenhado das vacas de Tio Serafim, vendo Tio Agenor ou Tio Genor, como o chamávamos, fumando seu cigarro de palha, conversar com a voz grossa, tomando o café forte, tomando conta da Mãe Centina, a minha avó Vicentina. E Tia Lídia, com a sua energia inesgotável, parecia feita de eletricidade, parecia não cansar.  Ainda a viva aos 98 anos.

        Menino de rua, me cansava em caminhar os dois quilometros do sítio Barro de Souza até a sede da cidade, que tinha o nome original de Barro e rebatizada de Saloá quando se emancipou em 1965. Nessa fraqueza física, subia no carro de bois e ia para cidade abastecer a pequena vila de água potável no chafariz da cidade. Ia e vinha ouvindo aquela toada do carro de bois andando. O gemido da madeira contra madeira. A dupla de bois fortes, que parecia não se cansar, os achava gigantes, imensos no tamanho e na força. Uns gigantes ainda mais na impressão da minha alma de menino.

        Quantas vezes acordei na casa de Tio Serafim e de Tia Lidia e estava vazia, só  ela. O tio e os filhos já cuidavam das produções do sítio. Muitas vezes descia e ia ver o primo Jaime cortando palma forrageira para alimentar as vacas e as crias. Uma habilidade imensa, uma velocidade e cortes na palma que pareciam milimetrados.

        E o rio, que corria no oitão da casa de Mãe Centina, magro e raso, mas capaz de me fazer simular um nado tocando com as mãos no fundo arenoso.  Gostava muito dessa brincadeira. Me divertia demais.

        Eram quatro irmãos e três irmãs. Tios Serafim, Tio Genor, Tio Zé Maria, Tio Pedro, Tia Iraci, Tia Jacira e mamãe. Só ela ainda vive.

        Com as irmãs de mamãe convivi pouco, os tios foi muito mais. Com Tio Serafim, Tio Genor e Tio Pedro. Tio Pedro foi para a casa do pai, faltando três para completar 91 anos e 68 anos de casamento. Estava no velório e comecei a recordar os dias que passava na sua casa, antes de ir para o sítio, das vezes que conversei com ele, de o observar conversando no seu negócio, de vê-lo conversando com as pessoas. Parecia ser uma pessoa dotado de paz de espírito. Um ser tranquilo que irradiava a sua bondade por todo lado.

        Tio Serafim também era calmo, uma pessoa que raramente vi se irritar, só uma vez que bateu no primo Jaime com a bainha de couro da faca, após ele responder ao tio meio abusado. Tio Genor, era mais alto que os irmãos, me impressiona que jeito vivaz e ao mesmo tempo sereno como os outros, igual perfil de Tio Zé Maria, parecia ter uma calma do outro mundo. Também irradiava uma energia boa, benfazeja.

        Hoje, hoje, sinto que pareciam que viviam em paz consigo mesmo.

        Aquele menino de ia ansioso tirar as suas férias escolares, no meio do ano e em janeiro, dezembro, muitas vezes, só voltando para o Natal e o Ano Novo, pois papai fazia questão que estivéssemos todos juntos. 

        A lembrança de muita coisa ia e vinha naquela hora que fiquei no velório, ainda com pouca gente, era o Pedro de Jaime, um homem de bem e bom homem, consciente, sem afetação.

        Nem sei como terminar esta crônica, talvez a melhor palavra seja: saudade.


        Abração, Marconi.

        

        

        

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